sexta-feira, agosto 10, 2007

11 DE AGOSTO, por Paulo S. Pimenta (Juiz do Trabalho de Catalão/GO)

Nos tempos coloniais, notadamente após a vinda da família real portuguesa, fugindo da dominação napoleônica, a incipiente elite brasileira mandava seus filhos estudarem na Europa, principalmente nas ibéricas universidades centenárias de Coimbra e Salamanca, de onde voltavam bacharéis. Tal conduta perdurou até mesmo após a proclamação da independência, até que D. Pedro I, mediante decreto imperial, em 11 de agosto de 1827, trouxe o ensino jurídico para o Brasil, instituindo os primeiros cursos de nível superior do país, através de duas instituições: as Academias de Direito de São Paulo e de Olinda, sendo que esta, posteriormente, veio a se transferir para a vizinha Recife.

A Academia paulista foi a primeira a ser instalada, e o foi no convento dos frades franciscanos localizado algumas centenas de metros do Pátio do Colégio - berço da cidade – que gentilmente cederam algumas salas do edifício de taipa de estilo barroco, construído em meados do século XVII, para que o curso pudesse ser iniciado, o que ocorreu no alvorecer de 1828, contando já as primeiras turmas, de apenas 40 alunos, com o livre acesso à rica biblioteca dos frades.

Com o crescimento da Academia, ela foi, gradualmente, ocupando mais espaço do convento até que, apropriando-se inclusive do acervo bibliográfico, ficou com boa parte do original claustro onde – até os dias de hoje – encontra-se instalada. Estamos falando, naturalmente, da tradicional Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, assim conhecida justamente porque localizada na então praça que, já naquela época, levava o nome do santo fundador da ordem que tão generosamente a acolhera em seu meio. Por isso, ficou conhecida também a faculdade apenas como a “São Francisco”.

O prédio original foi substituído por outro, amplo e monumental, edificado na década de 1930 naquele mesmo lugar pleno de significados, em estilo neocolonial, que agregava à moderna arquitetura, elementos do barroco luso-brasileiro, evocando a tradição cultural do país e do velho convento que, ali mesmo e por mais de cem anos, acolhera a Academia. Foi mantido, contudo, o pátio interno em formato quadrangular entremeado por dezenas de grossas colunas arqueadas que conferiram à faculdade outro carinhoso nome: “Arcadas”. Em cada uma dessas colunas lê-se o nome de ex-alunos que se projetaram na vida pública nacional, chegando a ocupar a Presidência da República, o que ocorria com freqüência na época da “política do café com leite” a ponto de ser aquele período também denominado de “República dos Bacharéis”. O último ex-aluno que chegou tão longe foi Jânio Quadros que, na época de estudante, disputava eleições estudantis com outro que quase chegou lá: Ulisses Guimarães.

Em 1934, com a criação da USP - Universidade de São Paulo, foi a primeira Faculdade a integrá-la, assumindo, a partir de então, a denominação oficial de Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, ou FADUSP. Mas seu primeiro nome, aliado à seu perene espírito arrojado, desafiador e ousado – próprio da juventude - mantido pela constante renovação de seu quadro de estudantes, levou à consagração, dentre seus alunos, da carinhosa referência à mesma como “Velha e Sempre Nova Academia”.

O acesso principal ao edifício se dá por três portais, também em formato de arcos, sobre as quais encontram-se gravados os nomes de três expoentes dos inúmeros poetas e escritores brasileiros que lá estudaram: Castro Alves, Álvares de Azevedo e Fagundes Varella. Este último, assim como outro célebre escritor também bacharelado nas Arcadas, Bernardo Guimarães, tiveram passagem pela nossa querida Catalão, onde exerceram a magistratura. Muitos outros artistas, que influíram na vida cultural brasileira, também abrilhantaram suas salas.

Do Largo de São Francisco, de seus estudantes ou de seus egressos, partiram os principais movimentos políticos da História do Brasil, desde o Abolicionismo de Joaquim Nabuco; o Republicano de Prudente de Moraes, Campos Salles e Bernardino de Campos; o Constitucionalista de 1932, de Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo (MMDC), que se insurgiu contra a ditadura Vargas; a resistência ao regime militar nos anos de 1970, de Gofredo da Silva Teles; até a campanha das Diretas Já de Ulysses Guimarães e Franco Montoro, sendo que deste último eu participei ativamente no início de minha vida acadêmica, unindo-me a milhares de manifestantes nos comícios da Praça da Sé e do Vale do Anhangabaú.

Meu pai, que por mais de 40 anos foi motorista de táxi em São Paulo, durante muitos deles teve seu ponto em frente à “São Francisco”, sem imaginar que eu, posteriormente, teria o privilégio de lá estudar, graduando-me em dezembro de 1987, o que fez com que minha Turma levasse o nome “160 ANOS DE SÃO FRANCISCO”. Puxa, já são quase 20 anos...

Naquele ambiente passei cinco dos melhores anos de minha vida, aprendendo Direito, exercendo cidadania, construindo sólidas amizades... e, entre uma coisa e outra, também tomando umas boas biritas enquanto, com o entusiasmo próprio da idade, resolvíamos todos os problemas nacionais, madrugada adentro, no bar do centenário Centro Acadêmico XI de Agosto, já que ninguém é de ferro...

A instituição de ensino superior mais antiga do país completará, no próximo sábado, exatos 180 anos de vida. E, como visto, de vida intensa!

Daí porque não poderia deixar passar em branco este aniversário especial, fazendo um parênteses na nossa análise semanal da competência da Justiça do Trabalho, para homenagear, ainda que à distância, o berço do Estado Democrático de Direito que, ao longo dos seus quase dois séculos de existência, sempre lutou pelos valores da igualdade, liberdade e respeito à ordem legítima e democraticamente constituída.

Nada mais justo, portanto, que estas razões históricas tenham levado à consagração do dia 11 de agosto (dia da criação dos cursos jurídicos no Brasil e aniversário das Arcadas) como dia, não só do estudante, como de todas as carreiras jurídicas (advogados, juízes, membros do Ministério Público, delegados, etc.), apesar de ser mais conhecido apenas como Dia do Advogado, uma vez que o exercício dessas atividades todas têm em comum, como principal finalidade, a preservação do Estado Democrático de Direito, ou seja, da observância dos direitos e garantias fundamentais do homem, assegurados pela Constituição democraticamente redigida, o que se dá por meio do primado da legalidade.

Parabenizo, portanto, a todos os meus colegas de atividade jurídica, sejam eles advogados, promotores de justiça, juízes, delegados, consultores, etc., desejando-lhes sucesso em suas diversas áreas de atuação, e muitas alegrias no exercício profissional, lembrando que as prerrogativas que cada uma dessas profissões goza não existem como garantias individuais para o benefício pessoal de seus exercentes, mas como meio de assegurar a atuação livre e independente em benefício do cidadão, ou seja, da coletividade.

Quanto à minha querida Faculdade (a “São Francisco”, as “Arcadas”, a “Velha e Sempre Nova Academia”, o “Largo”, a “Fadusp”, ou como queiram denominá-la), além de cumprimentá-la pelo muito que fez nestes 180 anos - desejando que faça ainda muito mais, através das novas gerações de seus filhos, por esse nosso Brasil tão necessitado – no dia 11, intimamente e com muita saudade, lembrar-me-ei de um dos versos das Trovas Acadêmicas, uma espécie de hino seu, que diz assim:

“Onde é que mora a amizade?

Onde é que mora a alegria?

No Largo de São Francisco.

Na Velha Academia.”


(artigo publicado originalmente no Diário de Catalão, de 09/08/2007, na coluna "Trabalho em Foco", escrita semanalmente pelo autor).

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