quinta-feira, julho 24, 2008

LEGISLAÇÃO & DIREITO. EFEITOS PREVIDENCIÁRIOS DA SENTENÇA TRABALHISTA. PROJETO-DE-LEI 3451/2008.

Persistence of Memory

Persistence of Memory (1931, Salvador Dali, MOMA)

Quem procura a Justiça do Trabalho, pleiteando direitos decorrentes da relação de trabalho, muitas vezes tem a certeza de que os direitos previdenciários decorrentes deste vínculo laboral também serão amplamente reconhecidos junto ao INSS.

Não é bem assim ou, pelo menos, assim não vem funcionando, devido à deficiência de nossa legislação e também pela conduta desrespeitosa aos direitos do cidadão que, muitas vezes, apenas recorrendo a outro ramo do Judiciário, consegue ver plenamente assegurado o cumprimento da lei.

Um bom exemplo do que estamos falando é o reconhecimento do tempo de serviço, demonstrado na Justiça do Trabalho, para fins previdenciários como aposentadoria.

Apesar de não haver no Direito dois ramos jurídicos tão siameses (trabalho e seguridade), o ordenamento jurídico optou em traçar distinções marcantes. Isto é bem demonstrado na CLT através do art. 12:

Art. 12 - Os preceitos concernentes ao regime de seguro social são objeto de lei especial.

Parece um dispositivo simples mas, no entanto, é revelador de uma opção clara de que os preceitos previdenciários, de um modo geral, regem-se estritamente por leis previdenciárias enquanto as situações pertinentes à relação de trabalho, por exclusiva legislação trabalhista.

Claro que esta intenção do legislador não encontra eco absoluto na realidade bastando, para tanto, analisar a confluência explícita destes dois ramos do direito encontrada na redação do art. 118 da Lei 8.213/91, que assegura estabilidade contratual a quem sofreu acidente de trabalho com gozo (ou preenchimento dos requisitos para gozo de ) auxílio-doença acidentário. Eis a norma:

Art. 118. O segurado que sofreu acidente do trabalho tem garantida, pelo prazo mínimo de doze meses, a manutenção do seu contrato de trabalho na empresa, após a cessação do auxílio-doença acidentário, independentemente de percepção de auxílio-acidente.

No que diz respeito ao reconhecimento de tempo de serviço, disciplina a Lei n.º 8.213/91 (art. 55, § 3º):

Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento, compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de segurados de que trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado:

§ 3º A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento. (destaquei).

A força maior ou caso fortuito são disciplinados no Regulamento Geral (Decreto 3.048/99, arts. 63 c/c art. 143, § 2º). Destaque para o último dispositivo, porque explicativo:

Art. 143. A justificação administrativa ou judicial, no caso de prova exigida pelo art. 62, dependência econômica, identidade e de relação de parentesco, somente produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal.

§ 1º No caso de prova exigida pelo art. 62 é dispensado o início de prova material quando houver ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito.

§ 2º Caracteriza motivo de força maior ou caso fortuito a verificação de ocorrência notória, tais como incêndio, inundação ou desmoronamento, que tenha atingido a empresa na qual o segurado alegue ter trabalhado, devendo ser comprovada mediante registro da ocorrência policial feito em época própria ou apresentação de documentos contemporâneos dos fatos, e verificada a correlação entre a atividade da empresa e a profissão do segurado.

§ 3º Se a empresa não estiver mais em atividade, deverá o interessado juntar prova oficial de sua existência no período que pretende comprovar.

Portanto, a comprovação de tempo de serviço constitui fato que não admite comprovação exclusiva por meio da prova testemunhal, valendo salientar que a Lei 8.213/91 não impede que tal comprovação (fática e documental) seja evidenciada em processo administrativo ou judicial e, no último caso, pouco importa que o seja na Justiça do Trabalho ou na Justiça Federal.

E, apesar de já ter sido aventado que tal dispositivo afrontaria a Constituição Federal, notadamente os incisos XXXV, XXXVI, LV, LVI do art. 5º, art. 6º e 7º, XXIV, o Supremo Tribunal Federal posicionou-se em sentido contrário.

Veja o julgamento da 2ª Turma, tendo como relator o Ministro Marco Aurélio, no julgamento do RE 226588-9/SP:

EMENTA: APOSENTADORIA - TEMPO DE SERVIÇO - PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL - ADMISSIBILIDADE COMO REGRA. A teor do disposto no § 3º do artigo 55 da Lei nº 8.213/91, o tempo de serviço há de ser revelado mediante início de prova documental, não sendo exclusivamente testemunhal. Decisão em tal sentido não vulnera os preceitos do artigo 5º, incisos LV e LVI, 6º e 7º, inciso XXIV, da Constituição Federal.

Em situação paradigmática - e agora em decisão Plenária - o STF igualmente admitiu a exigência de inadmissibilidade da prova exclusivamente testemunhal para a concessão de pensão prevista na Lei n.º 7.986/89 c/c art. 54, § 1º do ADCT/CF (pensão vitalícia aos seringueiros que, convocados pelo Governo, trabalharam no esforço de guerra na produção de borracha, na Amazônia, durante a 2ª Guerra Mundial). A decisão da Suprema Corte na ADI 2555 ficou assim ementada:

Ementa
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 54 DO ADCT. PENSÃO MENSAL VITALÍCIA AOS SERINGUEIROS RECRUTADOS OU QUE COLABORARAM NOS ESFORÇOS DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL. ART. 21 DA LEI Nº 9.711, DE 20.11.98, QUE MODIFICOU A REDAÇÃO DO ART. 3º DA LEI Nº 7.986, DE 20.11.89. EXIGÊNCIA, PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO, DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL E VEDAÇÃO AO USO DA PROVA EXCLUSIVAMENTE TESTEMUNHAL
. A vedação à utilização da prova exclusivamente testemunhal e a exigência do início de prova material para o reconhecimento judicial da situação descrita no art. 54 do ADCT e no art. 1º da Lei nº 7.986/89 não vulneram os incisos XXXV, XXXVI e LVI do art. 5º da CF. O maior relevo conferido pelo legislador ordinário ao princípio da segurança jurídica visa a um maior rigor na verificação da situação exigida para o recebimento do benefício. Precedentes da Segunda Turma do STF: REs nº 226.588, 238.446, 226.772, 236.759 e 238.444, todos de relatoria do eminente Ministro Marco Aurélio. Descabida a alegação de ofensa a direito adquirido. O art. 21 da Lei 9 .711/98 alterou o regime jurídico probatório no processo de concessão do benefício citado, sendo pacífico o entendimento fixado por esta Corte de que não há direito adquirido a regime jurídico. Ação direta cujo pedido se julga improcedente.

E no mesmo sentido a Súmula 149 do STJ, com o seguinte enunciado:

A prova exclusivamente testemunhal não basta a comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário.

É um grave erro, por óbvio, a alegação de que a sentença trabalhista não tenha eficácia perante o INSS sob o argumento de não ter a autarquia previdenciária participado daquela relação processual.

Os efeitos declaratórios da sentença trabalhista não emanam por mera disposição da coisa julgada e sim pelo conjunto probatório de tetemunhas e documentos que, reunidos, comprovam o tempo de serviço na forma da Lei 8.213/91 (art. 55, § 3º) e, por conseguinte, haveriam de ser admitidos pelo INSS.

Neste sentido, a jurisprudência da Justiça Federal:

PREVIDENCIARIO. TEMPO DE SERVIÇO. RESTABELECIMENTO DE APOSENTADORIA. I - A decisão proferida pela Justiça do Trabalho, embora sirva, para fins previdenciários, como prova do tempo de serviço em relação ao período nela reconhecido, não e irrefutável, podendo ser elidida por outras em contrario, mormente porque o INPS não e parte do dissídio obreiro. II - Caso em que, muito embora, por si só, a sentença trabalhista, porque revel o reclamado e calcada apenas em depoimento do reclamante, seja insuficiente a demonstração do tempo de serviço para efeito de aposentadoria previdenciária, os demais elementos constantes dos autos corroboram o sentido daquela decisão. III - Correta a sentença de 1º grau que considerou provado o tempo de serviço e exclui, quanto aos demais contratos laborais, os que possuíam período de trabalho coincidente. Recurso do INPS improvido.” (Processo: AC 89.01.22898-0/BA; APELAÇÃO CIVEL. Relator: JUIZ ALDIR PASSARINHO JUNIOR. Órgão Julgador: 1ª Turma. Publicação: 05/03/1990. Data da Decisão: 28/11/1990).
Note que o aresto acima admite a eficácia quanto ao reconhecimento do tempo de serviço em face dos "demais elementos constantes dos autos" e não apenas em razão da dicção da sentença.

Há mais, demonstrando que a ineficácia não decorre do fato de ser uma sentença trabalhista, mas sim pela ausência de conjunto probatório que exceda a mera prova testemunhal:

Previdência Social. Prova de tempo de serviço apurado perante o juízo trabalhista. Ausência de razoável início de prova material. Indeferimento. 1 - Sentença proferida na Justiça do Trabalho, reconhecendo relação empregatícia, sem que tenha havido debate ou produção de prova, não serve para comprovar tempo de serviço perante a previdência social, que exige razoável inicio de prova material. 2 - A presunção juris tantum das anotações na carteira de trabalho só deve ser admitida quando lançadas contemporaneamente ao tempo de serviço prestado, ou durante a relação de emprego, ou quando ainda não prescrito o direito de reclamar, para impedir que, sob o manto protetor da Justiça do Trabalho, centenas de fraudes contra a previdência social sejam praticadas.” Embargos infringentes providos.” (Processo: EIAC 89.01.01222-7/MG; EMBARGOS INFRINGENTES NA APELAÇÃO CIVEL. Relator: JUIZ HERMENITO DOURADO. Relator para Acórdão: JUIZ PLAUTO RIBEIRO. Órgão Julgador: 1ª Seção. Publicação: 27/08/1990, DJ p.19031. Data da Decisão: 06/08/1990). “PREVIDENCIARIO. TEMPO DE SERVIÇO RECONHECIDO NA JUSTIÇA DO TRABALHO INSERVIVEL PARA A PREVIDENCIA SOCIAL. 1. O tempo de serviço computado em razão de processo trabalhista, do qual no participou o apelante, e reconhecido sem qualquer inicio de prova material, não há de ser aproveitado para fim de aposentadoria eis que a sentença transitada em julgado não pode prejudicar terceiros. 2. Apelo provido. 3. Remessa oficial não conhecida. 4. Sentença reformada.” (Processo: AC 89.01.22058-0/MG; APELAÇÃO CIVEL. Relator: JUIZ LUIZ GONZAGA. Órgão Julgador: 1ª Turma. Publicação: 25/04/1994, DJ p.17746. Data da Decisão: 23/03/1994). “PREVIDENCIÁRIO - PENSÃO POR MORTE - RECONHECIMENTO POST MORTEM DO VÍNCULO TRABALHISTA - ACORDO HOMOLOGADO POR NA JUSTIÇA DO TRABALHO - PROVA MATERIAL - INEXISTÊNCIA - PERDA DA QUALIDADE DE SEGURADO. 1. A comprovação de tempo de serviço, para fins previdenciários, deve ter suporte em início de prova material. 2. Ausência de prova do exercício de atividade remunerada nos doze últimos meses que antecederam o falecimento do de cujus, implicando na falta de condição de segurado. 3. Apelação não provida. Sentença mantida.” (Processo: AC 2002.01.99.035700-2/RO; APELAÇÃO CIVEL. Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL NEUZA MARIA ALVES DA SILVA. Convocado: JUÍZA FEDERAL KÁTIA BALBINO DE CARVALHO FERREIRA (CONV.). Órgão Julgador: 2ª Turma. Publicação: 16/04/2007, DJ p.51. Data da Decisão: 19/03/2007).
Este contexto, por outro lado, parece conflitar com as novas disposições introduzidas na competência da Justiça do Trabalho desde a emenda constitucional n.º 20/98 e que tratam da execução da contribuição previdenciária decorrente das sentenças trabalhistas.

A princípio, a alteração do art. 114 da Constituição Federal, acrescentando o § 3º, indicava apenas que as parcelas exeqüíveis seriam decorrentes de sentença condenatória, não abrangendo as contribuições previdenciárias decorrentes do período contratual reconhecido.

Mas, esta não foi a posição do TST, que editou a Súmula 368 e em seu inciso I especificou que "A Justiça do Trabalho é competente para determinar o recolhimento das contribuições previdenciárias e fiscais provenientes das sentenças que proferir. A competência da Justiça do Trabalho para execução das contribuições previdenciárias alcança as parcelas integrantes do salário de contribuição, pagas em virtude de contrato de emprego reconhecido em juízo, ou decorrentes de anotação da Carteira de Trabalho e Previdência Social - CTPS, objeto de acordo homologado em juízo. (ex-OJ n.º 141 da SBDI-1)"

Esta redação foi alterada e hoje o inciso I da Súmula 368 contém a seguinte redação: "A Justiça do Trabalho é competente para determinar o recolhimento das contribuições fiscais. A competência da Justiça do Trabalho, quanto à execução das contribuições previdenciárias, limita-se às sentenças condenatórias em pecúnia que proferir e aos valores, objeto de acordo homologado, que integrem o salário de contribuição".

Não obstante, entrou em cena a Lei da Super Receita (Lei n.º 11.457, de 16/03/2007), introduzindo o seguinte parágrafo único ao art. 876 da CLT:

"Art. 876 ...

Parágrafo único. Serão executadas ex officio as contribuições sociais devidas em decorrência de decisão proferida pelos Juízes e Tribunais do Trabalho, resultantes de condenação ou homologação de acordo, inclusive sobre os salários pagos durante o período contratual reconhecido." (destaquei).

O conflito aparentemente instaurado resulta da seguinte questão: são exequíveis as contribuições sociais sobre salários pagos ao trabalhador em tempo não admitido pela Previdência Social, por falta de início de prova material? A resposta, parece ser negativa para a manutenção de um ordenamento coerente.


SOLUÇÃO LEGISLATIVA


Na tentativa de superar esta dicotomia, o Governo Federal recentemente encaminhou ao Congresso Nacional o projeto de lei que, na Câmara dos Deputados, recebeu o n.º 3451/2008.

Trata-se de um projeto elaborado em conjunto com o TST e que tenta expressar, de modo induvidoso, a eficácia das sentenças trabalhistas, acrescentando os parágrafos 5º a 7º ao art. 55 da Lei 8.213/91. Veja a redação dos dispositivos propostos:

§ 5º As decisões proferidas pela Justiça do Trabalho, resultantes de condenação ou homologação de acordo, inclusive as referentes a reconhecimento de período contratual, poderão ser aceitas como início de prova material, desde que tenham sido proferidas com base em prova documental, contemporânea aos fatos a comprovar.

§ 6º As decisões a que se refere o § 5º, não proferidas com base em prova documental, terão sua eficácia perante o Regime Geral de Previdência Social limitada ao período não abrangido pela prescrição trabalhista e desde que tenha havido recolhimento de contribuições previdenciárias no curso do período laboral.


§ 7º Na hipótese de não ter havido o recolhimento a que se refere o § 6º, a eficácia da decisão fica condicionada à comprovação, ao INSS, do efetivo recolhimento das contribuições previdenciárias correspondentes ao respectivo período.” (NR).

À vista do que foi acima exposto, verifica-se que o § 5º apenas corrobora uma situação fática que não deveria existir e que tem atuado em desfavor do cidadão, qual seja: a recusa do INSS em admitir a eficácia do conjunto probatório demonstrado em processo trabalhista, impelindo o segurado a buscar a Justiça Federal conforme vimos na jurisprudência acima destacada.

A ver que desenha-se um novo cenário.

O parágrafo sexto também parece promissor, uma vez que estabelece uma condição para a admissão de efeitos previdenciários ao tempo de serviço admitido na Justiça do Trabalho sem prova material (isto é, apenas com prova testemunhal). Tal tempo, limitado a um quinqüênio, será aceito perante a autarquia desde que recolhida a contribuição previdenciária do período respectivo.pelo menos até um quinqüênio do período contratual reconhecido na Justiça Laboral.

Tal diploma, se aprovado na forma como apresentado, indica também que, neste novo diagrama, a execução trabalhista poderá ter início mesmo para aquele período reconhecido pela Justiça do Trabalho sem início de prova material. Por outro lado, também evidencia que, nas relações de trabalho admitidas pela Justiça do Trabalho sem início de prova material (ou por exclusivas provas testemunhais ou nem isso, como em revelia), a execução também estará limitada ao último quinqüênio. Tal contexto, aliás, coincidirá com a recente declaração de inconstitucionalidade dos arts. 45 e 46 da Lei 8.213/91, como se vê na Súmula Vinculante n.º 08:

SÃO INCONSTITUCIONAIS O PARÁGRAFO ÚNICO DO ARTIGO 5º DO DECRETO-LEI Nº 1.569/1977 E OS ARTIGOS 45 E 46 DA LEI Nº 8.212/1991, QUE TRATAM DE PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO

O PLC 3451/2008 foi recebido na Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público (CTASP) no dia 11 de junho de 2008 e aguarda indicação de relator. Quem quiser acompanhar sua tramitação, clique aqui.

(postado por Kleber Waki)

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