sábado, maio 30, 2009

LEGISLAÇÃO & DIREITO. EXECUÇÃO CONTRA O PODER PÚBLICO. PRECATÓRIOS. REQUISIÇÃO DE PEQUENO VALOR. A PEC N.º 12/66.


Comemorações aos 20 anos da Constituição - foto: Paula Simas/Banco de Imagens do STF


O grande mestre Carnelutti definiu, certa vez, o conflito entre as partes posto em um processo (lide) como o resultado de uma pretensão resistida. Foi criticado, porque esta definição tem um aspecto eminentemente sociológico e pouco de jurídico.

Penso que, no entanto, não pode haver um conceito mais magistral, sob o ponto de vista de que o processo não é um fim em si mesmo, mas um instrumento de resposta aos conflitos sociais. E o grau e persistência desta resistência são os elementos que definem a duração do processo.

Se, por um lado, a parte resiste e insiste em resistir ao que pretende seu adversário, por outro lado cabe ao Estado oferecer meios que garantam um conhecimento adequado da demanda para um resultado justo e, em seguida, assegure o cumprimento desta decisão judicial, combatendo os limites perniciosos da infundada recusa em observar a legislação vigente, ora punindo a deslealdade processual (o que implica também em reprimir os atos meramente protelatórios e a utilização indevida de recursos com fins exclusivos de retardar o cumprimento da sentença ou acórdão transitado em julgado), ora valendo-se de meios que se sobreponham à vontade do vencido para a entrega da prestação jurisdicional, qual seja, promovendo a execução forçada.

E este é o papel do Estado não apenas sob o ângulo do Poder Judiciário, mas também sob os aspectos do Executivo, a quem cabe fiscalizar (e com isso prevenir conflitos) e assegurar a estrutura administrativa (leia-se garantir o orçamento do Poder Judiciário, sancionar leis etc), e do Legislativo (promovendo leis que corrijam as falhas encontradas no sistema). Mas, sem dúvida, o principal ator para a execução de um sistema judiciário eficaz é o Poder Judiciário.

Mas, e quando o Estado é o devedor? E quando é o Estado a parte que resiste à pretensão posta em juízo?

Sabemos, de antemão, que as regras não se aplicam igualmente, ou seja, não vale para o Estado o procedimento comum exigido dos demais cidadãos. Afinal, esgotado o exame da demanda e uma vez concluído pela Justiça de que o Estado é devedor, lançando-se mão da execução forçada, não será possível penhorar os bens públicos (que são impenhoráveis e inalienáveis), levando-os à praça e arrecadando os recursos para pagamento da dívida pública.

Mesmo protegido contra a penhora e inalienabilidade de seus bens por atos judiciais, o Estado ainda conta com prazo em quádruplo para contestar (inclusive oferecer reconvenção) e em dobro para recorrer (arts.188 e 299, CPC). Quando sucumbe em primeiro grau, a decisão judicial passa pelo reexame necessário, subindo automaticamente os autos para que o tribunal aprecie a demanda (art. 822 do já revogado CPC de 1939 c/c art. 31 do Decreto-Lei 4.565/42; art. 474 do CPC de 1973 – em vigor). O exame do chamado recurso ex officio, como se vê da leitura do art. 475, caput, CPC, constitui requisito essencial para que se confira eficácia à sentença proferida contra a Fazenda Pública. As exceções ficam por conta de débitos em valor inferior a sessenta salários mínimos (por causa dos Juizados Especiais) e quando a sentença estiver em conformidade com a jurisprudência do tribunal pleno do STF (ou seja, não valem decisões de Turmas) ou súmula oriunda do STF ou de tribunal superior competente.

Ultrapassada esta fase, permeada de garantias contra a Fazenda Pública, poderíamos supor que, não cabendo ao Estado insurgir-se contra o ordenamento jurídico por ele próprio instituído, o passo seguinte seria o pagamento imediato.

Na prática, não é assim que funciona.

Discussões sobre a liquidação da dívida, além da idéia presumida de resistência ao cumprimento da decisão judicial remete o credor ao sistema de pagamento por precatório.

Não havendo pagamento espontâneo e não podendo os bens públicos serem penhorados e alienados no rito da execução, os créditos devidos terão seus pagamentos requisitados pelo juiz ao tribunal competente, que expedirá a ordem de pagamento dirigida à Fazenda Pública (art. 730, CPC). Eis o precatório.

Cabe à administração pública incluir, para pagamento no orçamento seguinte, as ordens de crédito requisitadas até o mês de julho daquele ano (art. 100, § 1º da Constituição Federal), devendo ser atualizado monetariamente o valor no ato do pagamento. Desde a emenda constitucional n.º 37/02, que introduziu o § 4º ao art. 100 da CR, é vedada a expedição de precatório complementar. Isto significa dizer que uma vez expedido o precatório, o crédito deverá ser satisfeito até o limite apresentado, atualizado monetariamente.

Os pagamentos dos precatórios devem seguir a ordem cronológica de apresentação.

Tudo estaria perfeito, não fosse o fato de que o orçamento público não é impositivo, mas meramente autorizativo. Isto quer dizer que, uma vez aprovado o orçamento pelo Congresso Nacional, ele não será obrigatoriamente executado na forma como foi votado. Em suma, o fato do orçamento contemplar o pagamento dos precatórios não significa efetivo pagamento em seu exercício.


SEQUESTRO E REQUISIÇÕES DE PEQUENO VALOR. VERBAS ALIMENTARES.

Em algumas situações, contudo, a rigidez do precatório é atenuada.

A primeira, diz respeito à observância de que verbas de natureza alimentar são reputadas preferenciais na ordem de pagamento sobre os créditos de demais naturezas (art. 100, caput e seu § 1º-A, CR, com definição das verbas alimentícias). No entanto, mesmo as verbas alimentícias observarão sua própria ordem cronológica.

Somente com o advento dos Juizados Especiais (art. 90, I, CR e Lei n.º 9.099/95) que trouxe a concretização de um processo mais célere, vislumbrou-se a necessidade de implementar um sistema que fosse realmente mais ágil, abandonando-se o exclusivo instrumento do precatório para satisfação dos créditos judiciais devidos pelo Poder Público.

Primeiro, através da Emenda Constitucional n.º 20/98, que ao introduzir o § 3º ao art. 100 da CR, permitia o pagamento através de requisições de pequeno valor - RPV, cabendo a lei definir os parâmetros:

“§ 3º - O disposto no "caput" deste artigo, relativamente à expedição de precatórios, não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em lei como de pequeno valor que a Fazenda Federal, Estadual ou Municipal deva fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado."

Passados dois anos, sem que lei alguma fosse editada, houve nova alteração da Constituição (EC 30/00), alterando-se a redação do art. 100, ficando assim redigido o seu § 3º:

“§ 3º O disposto no caput deste artigo, relativamente à expedição de precatórios, não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em lei como de pequeno valor que a Fazenda Federal, Estadual, Distrital ou Municipal deva fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado.”

Com a nova redação, ao invés de uma lei federal dispondo sobre os limites das RPVs, o próprio município, Estado ou Distrito Federal poderia fixar seus parâmetros.

A União disciplinou o limite da RPV, para as causas aforadas nos Juizados Especiais (lembrando que nos órgãos da Justiça comum o Poder Público não figura como parte – art. 8º da Lei 9099/95, mas pode sê-lo perante os Juizados Especiais Federais - art. 3º da Lei n.º 10.259/2001) no art. 17, § 1º da Lei n.º 10.259/2001. Eis o inteiro teor do dispositivo

“Art. 17. Tratando-se de obrigação de pagar quantia certa, após o trânsito em julgado da decisão, o pagamento será efetuado no prazo de sessenta dias, contados da entrega da requisição, por ordem do Juiz, à autoridade citada para a causa, na agência mais próxima da Caixa Econômica Federal ou do Banco do Brasil, independentemente de precatório.

§ 1º .Para os efeitos do § 3º do art. 100 da Constituição Federal, as obrigações ali definidas como de pequeno valor, a serem pagas independentemente de precatório, terão como limite o mesmo valor estabelecido nesta Lei para a competência do Juizado Especial Federal Cível (art. 3º, caput).

§ 2º. Desatendida a requisição judicial, o Juiz determinará o seqüestro do numerário suficiente ao cumprimento da decisão.

§ 3º. São vedados o fracionamento, repartição ou quebra do valor da execução, de modo que o pagamento se faça, em parte, na forma estabelecida no § 1º deste artigo, e, em parte, mediante expedição do precatório, e a expedição de precatório complementar ou suplementar do valor pago.

§ 4º. Se o valor da execução ultrapassar o estabelecido no § 1º, o pagamento far-se-á, sempre, por meio do precatório, sendo facultado à parte exeqüente a renúncia ao crédito do valor excedente, para que possa optar pelo pagamento do saldo sem o precatório, da forma lá prevista.”

Também o fez na edição da Lei n.º 10.099, de 19/12/2000, que introduziu nova redação ao art. 128 da Lei 8.213/91, para as causas contra a Previdência Social:

“Art. 128. As demandas judiciais que tiverem por objeto o reajuste ou a concessão de benefícios regulados nesta Lei cujos valores de execução não forem superiores a R$ 5.180,25 (cinco mil, cento e oitenta reais e vinte e cinco centavos) por autor poderão, por opção de cada um dos exeqüentes, ser quitadas no prazo de até sessenta dias após a intimação do trânsito em julgado da decisão, sem necessidade da expedição de precatório. (Redação dada pela Lei nº 10.099, de 19.12.2000)

§ 1º É vedado o fracionamento, repartição ou quebra do valor da execução, de modo que o pagamento se faça, em parte, na forma estabelecida no caput e, em parte, mediante expedição do precatório.(Incluído pela Lei nº 10.099, de 19.12.2000)

§ 2º É vedada a expedição de precatório complementar ou suplementar do valor pago na forma do caput. (Incluído pela Lei nº 10.099, de 19.12.2000)

§ 3º Se o valor da execução ultrapassar o estabelecido no caput, o pagamento far-se-á sempre por meio de precatório. (Incluído pela Lei nº 10.099, de 19.12.2000)

§ 4º É facultada à parte exeqüente a renúncia ao crédito, no que exceder ao valor estabelecido no caput, para que possa optar pelo pagamento do saldo sem o precatório, na forma ali prevista. (Incluído pela Lei nº 10.099, de 19.12.2000)

§ 5º A opção exercida pela parte para receber os seus créditos na forma prevista no caput implica a renúncia do restante dos créditos porventura existentes e que sejam oriundos do mesmo processo. (Incluído pela Lei nº 10.099, de 19.12.2000)

§ 6º O pagamento sem precatório, na forma prevista neste artigo, implica quitação total do pedido constante da petição inicial e determina a extinção do processo. (Incluído pela Lei nº 10.099, de 19.12.2000)

§ 7º O disposto neste artigo não obsta a interposição de embargos à execução por parte do INSS. (Incluído pela Lei nº 10.099, de 19.12.2000)

Apenas para registrar, a antiga redação do art. 128 da Lei 8213/91 havia sido parcialmente declarada inconstitucional pelo STF (ADI 1252-DF). A lei 10.099/00 trouxe nova redação ao dispositivo.

Quanto a Estados, Distrito Federal e Municípios, foi inexpressiva a legislação produzida de modo a conferir eficácia ao instrumento da RPV. Daí a Emenda Constitucional n.º 37, de 12/06/2002, que introduziu o art. 87 no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias:

“Art. 87. Para efeito do que dispõem o § 3º do art. 100 da Constituição Federal e o art. 78 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias serão considerados de pequeno valor, até que se dê a publicação oficial das respectivas leis definidoras pelos entes da Federação, observado o disposto no § 4º do art. 100 da Constituição Federal, os débitos ou obrigações consignados em precatório judiciário, que tenham valor igual ou inferior a: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002)

I - quarenta salários-mínimos, perante a Fazenda dos Estados e do Distrito Federal; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002)

II - trinta salários-mínimos, perante a Fazenda dos Municípios. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002)

Parágrafo único. Se o valor da execução ultrapassar o estabelecido neste artigo, o pagamento far-se-á, sempre, por meio de precatório, sendo facultada à parte exeqüente a renúncia ao crédito do valor excedente, para que possa optar pelo pagamento do saldo sem o precatório, da forma prevista no § 3º do art. 100. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 37, de 2002)

Conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal, estes limites lançados no art. 87 do ADCT/CR não são valores máximos, podendo a legislação estadual, distrital ou municipal fixar parâmetros inferiores, conforme a vontade do legislador competente:

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 5.250/2002 DO ESTADO DO PIAUÍ. PRECATÓRIOS. OBRIGAÇÕES DE PEQUENO VALOR. CF, ART. 100, § 3º. ADCT, ART. 87. Possibilidade de fixação, pelos estados-membros, de valor referencial inferior ao do art. 87 do ADCT, com a redação dada pela Emenda Constitucional 37/2002. Ação direta julgada improcedente.
(ADI 2868, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 02/06/2004, DJ 12-11-2004 PP-00005 EMENT VOL-02172-01 PP-00152 LEXSTF v. 26, n. 312, 2005, p. 92-105) ”

Na lei questionada (Lei n.º 5.250, de 2 de julho de 2002), o Estado do Piauí fixou o limite, para requisição de pequenos valores, em cinco salários mínimos.


SOLUÇÃO LEGISLATIVA.

O quadro acima, adotado em nosso ordenamento jurídico, impõe que a sociedade reflita sobre alguns contornos.

Enquanto que para os cidadãos comuns e empresas privadas, fixou-se o limite de 60 (sessenta) salários mínimos para as causas chamadas de pequeno valor, lembrando que nos dissídios trabalhistas o rito sumaríssimo é atribuído para as causas de até 40 salários mínimos (art. 852-A, CLT), para a União o pequeno valor em matéria previdenciária é R$ 5.180,25 (art. 128, Lei 8213/91) e para o Estado do Piauí não passa de cinco salários mínimos. Em alguns municípios brasileiros, o chamado pequeno valor pode ser ainda menor, seguindo esta mesma lógica.

Isto evidencia que, no Brasil, o ente de Direito Público, mesmo sendo a União, ou se vê menor matematicamente do que o cidadão comum ou mesmo de qualquer empresa privada, ou há uma clara distorção privilegiando a Fazenda Pública quando se tratar de honrar os débitos por ela devidos, haja vista que acima do chamado pequeno valor, os créditos somente poderão ser satisfeitos através dos chamados precatórios, observando-se, sempre, a ordem cronológica e a natureza alimentar ou não imantada a este crédito.

A inobservância desta ordem cronológica, aliás, autoriza o sequestro, que seria uma terceira alternativa para pagamento da dívida dos entes públicos, usada apenas em caráter excepcional.

De qualquer sorte, as figuras do sequestro e das requisições (ou obrigações) de pequeno valor apontam que há outras possíveis soluções para a satisfação dos créditos exigíveis contra a Fazenda Pública, bastando apenas que haja vontade política no sentido de modificar a situação atual. Uma das possíveis soluções seria a adoção de um orçamento impositivo que, senão de todo, poderia começar pela obrigação de cumprimento dos precatórios ali inseridos.

Tramita no Congresso Nacional uma proposta de Emenda Constitucional (PEC 12/66, de autoria do Senador Renan Calheiros PMDB/AL), já aprovada no Senado e agora remetida para apreciação da Câmara dos Deputados, visando dar nova disciplina ao regime de pagamento dos débitos públicos.

De acordo com a PEC 12/66, a preferência dos créditos alimentares terá graus, prevalecendo aqueles que tenham mais de sessenta anos de idade e desde que o montante da dívida não seja superior ao triplo do valor definido em lei para as obrigações de pequeno valor.

A PEC também tipifica, como crime de responsabilidade, o ato omissivo ou comissivo do presidente do Tribunal que retarda ou frustra a liquidação do precatório, como se o atual estado de inadimplência do Poder Público fosse resultado de atos judiciais.

Em pontos bastante polêmicos, a PEC 12/66 pretende introduzir na Constituição a possibilidade do Estado fazer a imediata compensação de créditos seus, devidos pelo seu credor (contribuinte), inscritos em dívida ativa, à exceção daqueles que estejam sendo discutidos administrativa ou judicialmente. Ou seja, sem o devido processo legal, a Fazenda Pública estaria autorizada a automaticamente compensar-se de seus créditos no pagamento de suas dívidas.

A PEC 12/66 também exclui o pagamento de juros compensátórios, permite a utilização de créditos do precatório para compra de imóveis públicos postos em alienação pelo ente federado devedor, fixa a correção dos valores pelos índices da caderneta de poupança e, mediante lei complementar, permitiria vincular o pagamento dos precatórios à receita líquida corrente do devedor.

Quanto aos precatórios já existentes, a PEC 12/66 , disciplina o pagamento mediante vinculação das receitas líquidas dos entes federados devedores, em percentuais que variam conforme o estoque da dívida apurado até aquele momento, fixando um prazo de 15 anos para a satisfação total desses débitos. A proposta de emenda também disciplina a realização de leilões, criando-se uma terceira forma privilegiada de satisfação da dívida pública: paga-se antes ao credor que oferecer o maior deságio de seu crédito.

A receita vinculada será distribuída para o pagamento dos precatórios nos valores originais (40 % da receita) e aqueles oferecidos em leilão (60 % da receita).

Para visualizar a tramitação (já esgotada) da PEC 12/66 no Senado, que foi remetida para a Câmara dos Deputados em 14/04/2009, através do ofício SF 323, de 08/04/2009, clique aqui.

(postado por Kleber Waki)

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