LEGISLAÇÃO & DIREITO: CANAVIEIROS.
(Colheita de Cana, de Portinari, 1938)
De um lado, 32 bilhões de reais produzidos a cada safra. A produção do etanol também acena para o mundo como uma solução paliativa para combater o aquecimento global, podendo constituir alternativa eficiente para a redução do efeito estufa. Nessa esteira, o Brasil que desponta como o maior produtor mundial pode até liderar os países da região equatorial no abastecimento mundial de combustível “verde” e renovável, extraído das canas de açúcar.
Em outro ângulo, levantam-se argumentos de que as áreas destinadas à produção de alimentos correm o risco de serem tomadas por campos de canaviais, reduzindo-se a oferta de comida e agravando o problema da fome mundial. As técnicas de plantio e colheita também são criticadas pelos efeitos devastadores no meio ambiente decorrente da prática de queimadas. Teme-se a invasão da cana-de-açúcar em regiões amazônicas.
Neste cenário, entre prós e contras, desponta como essencial a figura humana do canavieiro. Todavia, mesmo ocupando o papel principal neste engenho, nem por isso é ele merecedor da necessária atenção e dos esperados privilégios. Ao contrário, a atual estrutura de produção de etanol e açúcar traz a triste constatação de que não é só a cana-de-açucar que está sendo esmagada neste processo.
Em 14/05/2006, 21/05/2006 e 03/12/2006 (após o término da safra) o quadro Profissão Repórter (com os repórteres Willian Santos e Nadia Bochi) levou ao ar alguns dos impactos sociais provocados por esta especial modalidade de cultura agrícola, que se inicia desde a arregimentação de trabalhadores pelos conhecidos “gatos”, o transporte dos trabalhadores em ônibus clandestinos, o abandono (ainda que temporário) das famílias, a exaustão por excesso de trabalho (fenômeno este que, no Japão, foi detectado em rotinas de produção e ficou conhecido como karoshi), exigência de alta produtividade (10 a 12 toneladas/dia em 366 mil golpes de facão/dia) etc.
Em um memorável artigo, o jornalista Clemen Höges publicou “O Alto Preço do Etanol” – Der Spiegel, onde destaca o fato de que não há solução possível sem que, antes, sejam estabelecidas regras claras e efetivas, que humanizem o trabalho do corte de cana, sob pena de consolidarmos uma nova forma de escravidão.
Apesar da tradição da cultura da cana de açucar, não há para o canavieiro uma legislação específica. Como trabalhador rural, a disciplina do seu contrato segue os preceitos da Lei n.º 5.889/73, além daquilo que dispõe a Consolidação das Leis do Trabalho.
Mesmo havendo expressa disposição constitucional a assegurar um plus salarial para o trabalho reputado penoso, nosso ordenamento jurídico ainda carece de lei que regulamente tal direito. E, como já observou o Supremo Tribunal Federal quanto ao adicional de insalubridade (Súmula Vinculante n.º 04), a lacuna da lei não pode ser preenchida por decisão judicial.
É importante frisar que não se trata apenas de assegurar a esses trabalhadores um acréscimo salarial, como se tanto bastasse para a perpetuação do atual estado. A observância de critérios que impliquem em uma remuneração mais justa não é excludente de outras necessidades, como a fixação de uma jornada mais reduzida e, sobretudo, da fixação de regras que não permitam que a redução da jornada implique na redução dos ganhos já ínfimos desses trabalhadores.
Isto porque a simples redução da jornada, para trabalhadores que são remunerados por produção resulta em duas hipóteses: a) ou observa-se a lei e os cortadores de cana passarão a ganhar menos, porque produzirão menos; b) ou a lei que impor tal redução não será observada, pois os trabalhadores tentarão assegurar o ganho mínimo para suas sobrevivências.
Numa economia desindexada, como a nossa, a fixação de um salário profissional teria que ser desvinculada do salário mínimo. A adoção de um valor específico ataria estes trabalhadores ao processo legislativo todos os anos, em busca da revisão anual.
Outra saída possível seria fixar jornada especial, como acontece para os professores, engenheiros, advogados, estabelecendo turno diário máximo de 4 ou 6 horas por dia (120 ou 180 horas mensais, já incluído o Repouso Semanal Remunerado). Proibida a remuneração por produção e assegurado o pagamento do salário mínimo, significaria dizer que a hora do cortador de cana passaria a ser remunerada a R$3,87 (três reais e oitenta e sete centavos – em caso de turno diário de 04 horas) ou R$ 2,58 (dois reais e cinquenta e oito centavos – para turno diário de 06 horas). O valor da hora extra, com adicional de 50 %, seria de R$ 5,80 ou R$ 3,87, respectivamente.
Desse modo, se permitida a realização de horas extras, até o limite de 08 horas/dia e jornada semanal máxima (incluídas as horas normais de trabalho) de 40 horas, a remuneração do cortador de cana, para um total de 40 horas semanais trabalhadas, seria de R$ 92,80 (horas extras/semana no total de 16 = 16 x R$ 5,80) + 92,88 (horas normais/semana, no total de 24 = 24 x R$ 3,87) + Repouso semanal remunerado (1/6 das horas extras [R$ 92,80] + horas normais [R$ 92,88] = R$ 30,94 (trinta reais e noventa e quatro centavos). O valor total da semana seria de R$ 216,62 (duzentos e dezesseis reais e sessenta e dois centavos) para uma jornada semanal de 40 horas (adotando-se jornada especial legal de 4 horas/dia, podendo ser estendida extraordinariamente até 08h/dia) ou, mantida a jornada semanal de 40 horas, um salário mensal de R$ 937,99 (novecentos e trinta e sete reais e noventa e nove centavos). Estes cálculos são feitos adotando-se o salário mínimo atual de R$ 465,00 (MP 456, de 30 de janeiro de 2009).
Em contrapartida aos que julgam que a remuneração fixa pode importar em menor produtividade, penso que é justamente a fixação de critérios de boa remuneração a tônica suficiente para que o mercado de trabalho venha a ser disputado pelos melhores cortadores de cana e dentro de parâmetros razoáveis de exigência do esforço humano.
Se, no entanto, mantiver-se o critério de produtividade, é preciso estar atento que não basta apenas reduzir a jornada dos cortadores de cana-de-açúcar para o patamar de 4 ou 6 horas/dia, porque isso resultaria em contratação de trabalhadores para laborar em turnos, reduzindo-se a produção individual de cada um e, por conseguinte, reduzindo-se também os parcos ganhos desses trabalhadores.
Pode-se, por fim, reduzir a jornada, manter-se a remuneração por produção e fixar-se regras rígidas de controle de horário, vedando-se absolutamente a realização de horas extras acima de 02 horas. Restaria, entretanto, encontrar fórmulas que garantam ao trabalhador de cana a garantia de não sofrer redução salarial no atual quadro, acrescentando-se outras garantias como obrigação de fornecimento de moradias individuais, alimentação diária, cestas básicas e transporte para o trabalho.
Enfim, para legitimar os nossos sonhos de contribuição útil na transformação de um mundo melhor, mais equilibrado com sua Natureza e mais igual, não podemos nos esquecer da pedra angular de todo este processo, que são os trabalhadores rurais.
Os propósitos do Brasil serão tão maiores e mais justos, quanto mais digna e humana forem as condições de trabalho para a produção do etanol e este não é um desafio insuperável. Requer apenas vontade política.
SOLUÇÃO LEGISLATIVA
O senador Paulo Paim apresentou em 2007 o Projeto de Lei que leva o número 226 (PLS 226/07), propondo alterações à Lei do Trabalhador Rural (Lei n.º 5.889/73).
Neste projeto fica introduzida a jornada máxima dos canavieiros em 40 horas semanais, criando-se para estes o adicional de penosidade correspondente a 20 % (vinte por cento) do seu salário.
O projeto-de-lei também propõe a alteração da Lei 8.213/91 para permitir aos trabalhadores no corte da cana a aposentadoria especial, após a prestação de 25 (vinte e cinco) anos de serviços prestados de forma contínua ou intermitente.
Por fim, O PLS 226/07 impõe a contratação de seguro de vida em grupo e participação nos lucros, remetendo, quanto a este último, para a Convenção ou Acordo Coletivo, as regras que disciplinem o seu pagamento.
Em 20/12/2007 a matéria foi encaminhada para a Comissão de Agricultura e Reforma Agrária do Senado. Em fevereiro de 2008 foi distribuído para o Senador João Durval e depois, na mesma comissão, redistribuído para o Senador Osmar Dias. Há mais de um ano, não há movimentação no processo legislativo.
Acompanhe aqui a tramitação do PLS 226/07.
(Postado por Kleber Waki)
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