quarta-feira, abril 30, 2008

LEGISLAÇÃO & DIREITO: OS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS E A ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA NO PROCESSO DO TRABALHO

Rui Barbosa, em retrato de Portinari


A regra geral é de que, para propor uma ação, o cidadão precisa se fazer assistido por um advogado pois, a rigor, apenas ele detém a chamada capacidade postulatória, considerada um pressuposto processual (isto é, um antecedente essencial sem o qual o processo não se constitui e/ou se desenvolve de maneira válida e regular). Confira, no
Código de Processo Civil - CPC, o art. 36.

Em algumas poucas hipóteses o cidadão poderá iniciar um processo judicial sem a assistência de um advogado. Vamos aos exemplos: a) nos Juizados Especiais Cíveis (art. 9º da
Lei n.º 9.099/95 e para as causas de até vinte salários mínimos. Acima desse valor, a assistência do advogado é obrigatória); b) na Justiça do Trabalho (art. 791, CLT – acesso amplo, independente do valor da causa, para ações individuais e coletivas, quer como autor ou réu na demanda).

No julgamento da
ADI 3.168, no entanto, o STF asseverou que nos juizados especiais criminais a presença do advogado é obrigatória, a despeito do que previu a Lei 10.259/01 (que criou os Juizados Especiais Cíveis e Criminais Federais).

Com o advento do novo
Estatuto da OAB (EOAB - Lei n.º 8.906/94), tentou-se implementar a capacidade postulatória para todos os tipos de processos judiciais (art. 1º do EOAB). O artigo, no entanto, foi declarado como inconstitucional pelo STF (confira ADI n.º 1.127-DF).

Mesmo não sendo obrigatório, é razoável concluir que contando o cidadão com a assistência de um profissional habilitado, suas chances para postular, provar e receber o que lhe é de direito aumentam, já que o processo continua sendo uma peça técnica a começar pelo rito de tramitação.

Ainda segundo a regra geral, caberá ao vencido na causa arcar com os chamados honorários advocatícios de sucumbência (art. 20,
CPC), que serão fixados pelo juiz.

Mas, como ficam os honorários advocatícios no processo do trabalho, no qual é assegurado às partes o livre direito de postulação (conhecido como
jus postulandi)?

A jurisprudência trabalhista consolidada nas Súmulas 219 e 329, editadas pelo Tribunal Superior do Trabalho (
TST) são claras quanto ao assunto:
Nº 219 HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. HIPÓTESE DE CABIMENTO (incorporada a Orientação Jurisprudencial nº 27 da SBDI-2) - Res. 137/2005, DJ 22, 23 e 24.08.2005
I - Na Justiça do Trabalho, a condenação ao pagamento de honorários advocatícios, nunca superiores a 15% (quinze por cento), não decorre pura e simplesmente da sucumbência, devendo a parte estar assistida por sindicato da categoria profissional e comprovar a percepção de salário inferior ao dobro do salário mínimo ou encontrar-se em situação econômica que não lhe permita demandar sem prejuízo do próprio sustento ou da respectiva família. (ex-Súmula nº 219 - Res. 14/1985, DJ 26.09.1985)
II - É incabível a condenação ao pagamento de honorários advocatícios em ação rescisória no processo trabalhista, salvo se preenchidos os requisitos da Lei nº 5.584/1970. (ex-OJ nº 27 da SBDI-2 - inserida em 20.09.2000)

Nº 329 HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ART. 133 DA CF/1988 (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003
Mesmo após a promulgação da CF/1988, permanece válido o entendimento consubstanciado na Súmula nº 219 do Tribunal Superior do Trabalho.
As Orientações Jurisprudenciais de n.ºs 304 e 305 da SBDI-1/TST, reiteram a exigência dos requisitos da Lei n.º 5.584/70 para o reconhecimento da assistência judiciária apta a produzir a condenação em honorários de sucumbência:
Nº 304 HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA. DECLARAÇÃO DE POBREZA. COMPROVAÇÃO. DJ 11.08.03.
Atendidos os requisitos da Lei nº 5.584/70 (art. 14, § 2º), para a concessão da assistência judiciária, basta a simples afirmação do declarante ou de seu advogado, na petição inicial, para se considerar configurada a sua situação econômica (art. 4º, § 1º, da Lei nº 7.510/86, que deu nova redação à Lei nº 1.060/50).

Nº 305 HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. REQUISITOS. JUSTIÇA DO TRABALHO. DJ 11.08.03.
Na Justiça do Trabalho, o deferimento de honorários advocatícios sujeita-se à constatação da ocorrência concomitante de dois requisitos: o benefício da justiça gratuita e a assistência por sindicato.
A limitação ao percentual de 15 % decorre da Lei n.º 1060/50 (art. 11, § 1º) e é assim interpretado na jurisprudência trabalhista:
Nº 348 HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. BASE DE CÁLCULO. VALOR LÍQUIDO. LEI Nº 1.060, DE 05.02.1950. DJ 25.04.2007.
Os honorários advocatícios, arbitrados nos termos do art. 11, § 1º, da Lei nº 1.060, de 05.02.1950, devem incidir sobre o valor líquido da condenação, apurado na fase de liquidação de sentença, sem a dedução dos descontos fiscais e previdenciários.
É preciso registrar que, apesar de haver súmula dispondo sobre o assunto, o tema ainda não se encontra pacificado entre os operadores de direito. A 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho, realizada em Brasília no ano de 2007 aprovou diversos enunciados, dentre os quais destaca-se o seguinte:
79. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS DEVIDOS NA JUSTIÇA DO TRABALHO.
I – Honorários de sucumbência na Justiça do Trabalho. As partes, em reclamatória trabalhista e nas demais ações da competência da Justiça do Trabalho, na forma da lei, têm direito a demandar em juízo através de procurador de sua livre escolha, forte no princípio da isonomia (art. 5º, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil) sendo, em tal caso, devidos os honorários de sucumbência, exceto quando a parte sucumbente estiver ao abrigo do benefício da justiça gratuita.
II – Os processos recebidos pela Justiça do Trabalho decorrentes da Emenda Constitucional 45, oriundos da Justiça Comum, que nesta esfera da Justiça tramitavam sob a égide da Lei 9.099/95, não se sujeitam na primeira instância aos honorários advocatícios, por força do art. 55 da Lei 9.099/95 a que estavam submetidas as partes quando da propositura da ação.
Este enunciado, entretanto, por ora dispõe apenas de valor científico, pois não pode sequer integrar o pensamento da jurisprudência trabalhista, já que não foi proferido por órgão julgador.

Sua presença, por outro lado, revela o vívido pensamento em sentido contrário ao estabelecido na jurisprudência, uma vez que o quadro atual, na prática, impõe aos trabalhadores ter que dispor de parte de seus direitos para recompensar o trabalho desenvolvido pelo profissional que lhe assistiu.


O mais natural seria contar que essa assistência judiciária, aos pobres, fossem prestadas não só pelo Sindicato representativo da categoria, mas também pela União ou até pelo Estado, como manda a
Constituição (art. 21, XIII, art. 22, XVII, art. 24, XIII, art. 48, IX, art. 61, § 1º, d, art. 134).

Aliás, é isto o que propõe a
Lei Complementar n.º 80/94, em seu art. 14:
Art. 14. A Defensoria Pública da União atuará nos Estados, no Distrito Federal e nos Territórios, junto às Justiças Federal, do Trabalho, Eleitoral, Militar, Tribunais Superiores e instâncias administrativas da União.

§ 1º A Defensoria Pública da União deverá firmar convênios com as Defensorias Públicas dos Estados e do Distrito Federal, para que estas, em seu nome, atuem junto aos órgãos de primeiro e segundo graus de jurisdição referidos no caput, no desempenho das funções que lhe são cometidas por esta Lei Complementar. (Parágrafo incluído pela LCP nº 98, de 3.12.1999)

§ 2º. Não havendo na unidade federada Defensoria Pública constituída nos moldes desta Lei Complementar, é autorizado o convênio com a entidade pública que desempenhar essa função, até que seja criado o órgão próprio. (Parágrafo incluído pela LCP nº 98, de 3.12.1999)
Enquanto o Estado não alcança o exercício pleno de suas missões constitucionais, parece necessário que haja alguma regulamentação que preveja a desoneração do trabalhador e recompense o advogado que aceita o honroso encargo de assistir ao pobre na defesa de seus direitos.

Este pensamento que expressa o inevitável prejuízo a quem não é vencido na causa, aliás, já chegou a ser expressado pelo Supremo Tribunal Federal na
ADI MC 2527. Destaco a parte que interessa:
“(...) 5. A introdução no art. 6º da Lei n.º 9.469/97, de dispositivo que afasta, no caso de transação ou acordo, a possibilidade do pagamento dos honorários devidos ao advogado da parte contrária, ainda que fruto de condenação transitada em julgado, choca-se, aparentemente, com a garantia insculpida no art. 5º, XXXVI, da Constituição, por desconsiderar a coisa julgada, além de afrontar a garantia de isonomia da parte obrigada a negociar despida de uma parcela significativa de seu poder de barganha, correspondente à verba honorária. (...)”.


A ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA NO PROCESSO DO TRABALHO


A assistência judiciária, no Brasil, foi introduzida através do Decreto n.º 1030, de 14/11/1890 (arts. 175 e 176), no limiar da República brasileira. No entanto, apenas através do
Decreto n.º 2457, de 08/02/1897, esboçou-se o conceito de pobreza (art. 2º) que prevalece até hoje.

Para o processo do trabalho, o tema foi tratado na
Lei n.º 5.584/70, mas não pode ser lida isoladamente, pois apenas dispõe sobre uma forma especial (não geral) de patrocínio sob o amparo do instituto da ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA (este previsto na Lei 1060/50 com as alterações da Lei 7510/86).

Quer dizer: apesar de admitir o patrocínio da defesa gratuita pelo sindicato, a
Lei 5584/70 não exclui outras formas de advocacia dativa (como defensor público ou o advogado dativo escolhido pela parte).

Por “assistência judiciária” devem ser compreendidos todos os benefícios que se extraem do art. 3º da Lei 1060/50, dentre os quais está o de isenção dos honorários de advogado.

A
lei 5584/70 introduziu para o processo do trabalho a figura da assistência judiciária especial, prestada pelas entidades sindicais. Não fosse esse diploma especial, a assistência judiciária trabalhista só poderia ser prestada EXCLUSIVAMENTE pelos defensores públicos ou advogados dativos nomeados pelo juízo.

Portanto, a lei 5584/70, a rigor, não regula a assistência judiciária, pois esta é disciplinada pela Lei 1060/50 c/c 7510/86. A lei 5584/70 apenas previu a possibilidade de também os entes sindicais concorrerem na prestação desse serviço de patrocinar gratuitamente as causas dos necessitados.

A Lei 10.288, sancionada em 20/12/2001, introduziu a possibilidade da definição primária de pobreza ser extraída não mais para aqueles que ganham até o dobro do salário mínimo, mas sim daqueles trabalhadores que estariam na faixa de 2 a 5 salários mínimos.

Sabemos que a doutrina, a lei e a jurisprudência (desde 1986, veja a Lei 7510/86) já permitiam ao juiz conceder o benefício da assistência judiciária, independentemente do patamar salarial, para todo aquele que declarasse condição de pobreza de tal modo que não pudesse arcar com as custas do processo sem o prejuízo do sustento próprio e/ou de sua família. Então o parâmetro salarial, que a lei 10.288/01 ampliou, foi apenas com relação a essa faixa salarial onde a pobreza é presumida, sem necessidade da parte ter que afirmá-la por declaração.

Note que a lei
lei 10.288/01 é clara no uso da conjunção OU: OU desempregado OU que perceba de 2 a 5 salários mínimos OU que faça a declaração de pobreza.

Nada, portanto, foi alterado além das condições objetivas para o reconhecimento da hipótese de concessão da assistência judiciária ao trabalhador. E uma vez reconhecida a hipótese, caberia também ao sindicato a possibilidade de prestar essa assistência (ao desempregado ou àquele que estiver enquadrado na faixa salarial específica ou que firmar a declaração de pobreza).

Os §§ 2º e 3º do art. 14 da Lei 5584/70 (atestado passado pela delegacia de polícia ou por autoridade do Ministério do Trabalho) já haviam sido superados pela jurisprudência justamente em atenção à redação do art. 4º da Lei 1060/50 que havia sido alterada pela 7510/86 e que exigia, a partir de então, APENAS A PRÓPRIA DECLARAÇÃO DO NECESSITADO. Daí entender-se, desde então, pela revogação dos §§ 2º e 3º do art. 14 da Lei 5584/70. Enfim, veio a Lei 10537/2002 que revogou o § 10º do art. 789-A da CLT.

Com isso, revogou-se a faixa salarial (de 2 a 5 salários mínimos), a condição de desempregado ou a declaração explícita de pobreza como fundamentos para a concessão da assistência judiciária.

Claro que, por ausência de efeito repristinatório, o § 1º do art. 14 da Lei 5584/70 não pode ser ressuscitado para preencher o vazio. Mas, a questão é: existe vazio legislativo?

A resposta é, ao meu ver, negativa.

Uma vez que não haja elementos especiais para aferição da condição de pobreza da parte, há de prevalecer também para este a regra geral, ditada pela Lei 1060/50 com as alterações da Lei 7510/86. Ou seja: BASTA A DECLARAÇÃO PESSOAL DE POBREZA, sendo que este requisito (que é básico para o processo civil) agora é universal para todos os cidadãos, inclusive para os processos trabalhistas.

A assistência judiciária poderá ser prestada por defensor público ou advogado dativo (como já o é na Justiça do Trabalho, especialmente quanto à segunda figura) baseando-se na Lei 1060/50 c/c 7510/86 ou pelo sindicato de sua categoria (art. 14 da Lei 5584/70, cujo caput não foi revogado por qualquer desses diplomas).

De notar que o caput do art. 14 da
Lei 5584/70 INTRODUZ o sindicato como patrocinador dativo nos processos trabalhistas. Os demais, das leis 10288/01 ou 10537/02, apenas fazem menção à figura do sindicato como assistente.

Há diferença.

Uma coisa é PREVER que a assistência passa a ser feita também pelo sindicato e a outra é já tratar o sindicato como assistente que tanto pode ser para causas em que patrocine um NECESSITADO como patrocine alguém que NÃO É NECESSITADO (e para o qual ele, a entidade sindical, concorrerá nas custas processuais). A figura de assistente aí é meramente processual.

Por isso, repito, não há revogação do art. 14, caput da
Lei 5584/70, pois nela há expressa concessão ao sindicato de regra que o assemelha a um advogado dativo ou defensor público.


SOLUÇÃO LEGISLATIVA.

Tramita no Congresso Nacional alguns projetos propondo soluções aos problemas hoje vivenciados nesse contexto. Destaco aqui o projeto-de-lei n.º 3.392/2004 (trazendo apenso os projetos-de-lei n.ºs 7.642/2006 e 1676/2007 - Deputado Nechar/PV-SP), de autoria da Deputada Clair (PT/PR) propondo o fim do jus postulandi na Justiça do Trabalho (alterando a redação do art. 791, CLT) e estabelecendo a conseqüente condenação do vencido nos honorários de sucumbência. O projeto já recebeu parecer do relator Deputado Luiz Antonio Fleury Filho, opinando pela rejeição do projeto, ante a flagrante inconstitucionalidade de obstruir o acesso do cidadão ao Judiciário.

Afinal, o STF já decidiu que não há inconstitucionalidade na Lei dos Juizados Especiais Cíveis e na própria CLT, quando admite o
jus postulandi. O parecer foi apresentado na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público ainda no ano de 2004.

É importante salientar que uma das preocupações dos advogados é, também, com relação à estipulação de honorários em valores aviltantes. Como seriam, então, calculados os honorários se, incidentes sobre o valor da condenação, esta não representar valor de expressão - como, aliás, ocorre em grande parte das ações trabalhistas?

No projeto 1676/07, de autoria do Deputado Nechar, propõe=se expressa revogação dos arts. 14 a 19 da Lei n.º 5.584/70, o que poderia resultar na interpretação de que seria extinta a assistência sindical. No entanto, esta remanescerá no ordenamento jurídico, uma vez que é implicitamente mencionada no art. 790, § 1º da CLT.

O projeto já havia sido arquivado regimentalmente quando, a pedido do Deputado Marcelo Ortiz, voltou à tramitação sob a forma de um novo projeto-de-lei. O novo parecer, da lavra do Deputado Índio da Costa manifestou-se favoravelmente à sua aprovação na forma do substitutivo apresentado. As alterações propostas pelo relator asseguram à manutenção do jus postulandi para causas de até 20 (vinte) salários mínimos, seguindo o paralelo traçado para os Juizados Especiais Cíveis. Melhor seria que o parlamentar observasse, então, o paralelo similar traçado, na Justiça Especializada, para os ritos sumaríssimos, cuja alçada é de 40 (quarenta) salários mínimos. O relator também propôs correções quanto à indicação do advogado dativo e explicitou a responsabilidade da União quanto às despesas processuais como honorários periciais devidos pelo assistido, quando sucumbente na causa. A referência aos honorários periciais deve-se ao apensamento do PL 2956/08, de autoria do Deputado Nelson Proença (PPS-RS), cujo trâmite pode ser acompanhado aqui.

Aberto o prazo para apresentação de emendas ao projeto substitutivo, não foram apresentadas propostas de alterações e em 08/04/2008 foi designado novo relator (Deputado
José Otávio Germano/PP-RS) na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público para oferecer novo parecer.

A tramitação do projeto 3392/04 (e seus apensos) pode ser acompanhada aqui.


Postado por Kleber Waki

MUDAMOS.

Visite nosso site
Parte do acervo do blog está reproduzido agora em nosso site. Além disso, há muito mais.
Aguardamos sua visita no site da Amatra 18.