domingo, março 29, 2009

LEGISLAÇÃO & DIREITO: A PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA FÍSICA (OU NECESSIDADES ESPECIAIS) E A RELAÇÃO DE TRABALHO.

Ray Charles
Se eu amo o meu semelhante? Sim. Mas onde encontrar o meu semelhante? – Mário Quintana, no Zero Hora.

Se há uma característica maior no Direito do Trabalho, ela reside, sem dúvida, na promoção da igualdade entre os homens, tanto quanto isso seja possível ser realizado pelo Direito. Então precisamos saber olhar e buscar a igualdade.

Costumo asseverar que o gesto de olhar, para simplificar, é como uma leitura. É preciso cuidado.

Muitas vezes, diante de um texto literário, incorremos na tentativa de sondar o autor, tentar conhecer sua biografia pelo que lemos. Todavia, muitas vezes, o que acabamos por fazer é quase um auto-retrato, ou seja, uma confissão de nossos próprios valores. E perdemos, assim, o real sentido do que observamos.

Olhar o semelhante, portanto, não quer dizer adequá-lo à minha visão, mas integrar-me a ele, para que a concepção do que seja o Homem ou a Humanidade ultrapasse os meus próprios limites. Afinal, o homem é este ser plural, por qualquer ângulo que se queira analisá-lo.

E quando se fala em igualdade – este valor jurídico, pressupõe-se a capacidade de olhar as pessoas com um propósito inclusivo, respeitando-se as diferenças e uniformizando-se a capacidade de usufruir de direitos comuns, ainda que, para isso, seja necessário tecer regras tão especiais quanto as diferenças encontradas.

Podemos constatar isso nas regras de proteção ao trabalho da mulher (como são exemplos a licença-maternidade, a estabilidade gestante, o direito à amamentação etc), da criança e do adolescente (regras para aprendizes e estagiários), do trabalhador vítima de acidente de trabalho (estabilidade - art. 118 da Lei 8.213/91) e, dentre outras situações, também para a pessoa portadora de deficiência (ou de necessidades especiais).

Alguns (até com razão) questionam a exacerbação do que é chamado de politicamente correto, pois muitas vezes simples expressões do cotidiano passam a ser patrulhadas zelosamente, com imediata reprovação social daqueles que não se ajustam aos novos tempos (ou novos termos).

Não parece ser o caso no tema que tratamos nesta coluna.

Dizer que uma pessoa é deficiente física significa admitir que o ser humano é aquilo que seu corpo apresenta. Ainda que não haja a intenção de expressar este significado, é preciso atentar que as palavras não seguem a intenção de quem diz, mas revela sua força igualmente nos ouvidos de quem recebe a mensagem.

Por isso, ao invés de dizermos que a pessoa é deficiente, quando a abordamos como portadora de deficiência física ou de necessidades especiais significa que a respeitamos como pessoa e restringimos a sua diferença às necessidades especiais exigidas. Enfim, o meu semelhante não é uma pessoa deficiente. Ele é uma pessoa como eu e porta dificuldades físicas específicas.


A LEGISLAÇÃO PROTETIVA DAS PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA OU NECESSIDADES ESPECIAIS.

A Organização Internacional do Trabalho vem, ao longo dos anos, expedindo recomendações e Convenções, tratando da integração das pessoas portadoras de deficiência ao trabalho. São exemplos as recomendações 99 (Recomendación sobre la Adaptación y la Readaptación profesionales de los invalidos, 1955), 111 (Recomendación sobre la discriminación [empleo y ocupación], 1958), 150 (Recomendación sobre desarrollo de los recursos humanos, 1975) e 168 (Recomendación sobre la adaptación profesional y el empleo [personas inválidas], 1983), além das Convenções 111 (Sobre a discriminação em matéria de emprego e profissão, ratificada em 26/11/1965) e 159 (Convenio sobre la readaptación profesional y el empleo [personas inválidas], 1983, ratificada em 18/05/1990).

A Constituição brasileira também é clara no sentido de outorgar proteção ampla, tanto no campo assistencial como no campo de integração social, ao: a) proclamar a dignidade humana e os valores sociais do trabalho como fundamentos da República (art. 1º, incisos III e IV); b) proibir a discriminação de qualquer natureza na construção da igualdade dos direitos e garantias fundamentais (art. 5º, caput), sendo específica quanto ao portador de deficiência (art. 7º, XXXI); c) promover o assistencialismo (art. 23, II, 24, XIV) à pessoa portadora de deficiência (inclusive a criança e ao adolescente, art. 227, § 1º, II), buscando sua integração social (art. 203, IV); d) assegurar o acesso e o transporte coletivo (art. 227, § 2º e art. 244); integrar a pessoa portadora de deficiência à administração pública (art. 37, VIII), assegurando tratamento especial quanto ao critério de aposentadoria (art. 40, §4º, I) critério extensivo também àqueles sujeitos ao regime geral da previdência social (art. 201, §1º); garantir a educação, com atendimento especializado (art. 208, III).

A Assistência Social está assegurada na Lei n.º 8.742, de 7 de dezembro de 1993. Em seu art. 20, esta lei prevê a concessão de uma assistência no importe de um salário mínimo, na forma disciplinada pelo § 3º. Este art. 20 e seu § 3º foi, inclusive, questionado perante o STF pela Procuradoria Geral da República (ADI-MC 1232-1/DF), que entendia como limitadora a regra infraconstitucional. Em julgamento pelo Tribunal Pleno, no entanto, a ADI foi julgada improcedente:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. IMPUGNA DISPOSITIVO DE LEI FEDERAL QUE ESTABELECE O CRITÉRIO PARA RECEBER O BENEFÍCIO DO INCISO V DO ART. 203, DA CF. INEXISTE A RESTRIÇÃO ALEGADA EM FACE AO PRÓPRIO DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL QUE REPORTA À LEI PARA FIXAR OS CRITÉRIOS DE GARANTIA DO BENEFÍCIO DE SALÁRIO MÍNIMO À PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA FÍSICA E AO IDOSO. ESTA LEI TRAZ HIPÓTESE OBJETIVA DE PRESTAÇÃO ASSISTENCIAL DO ESTADO. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. (ADI 1232, Relator(a): Min. ILMAR GALVÃO, Relator(a) p/ Acórdão: Min. NELSON JOBIM, Tribunal Pleno, julgado em 27/08/1998, DJ 01-06-2001 PP-00075 EMENT VOL-02033-01 PP-00095)

A Lei n.º 7.853, de 24 de outubro de 1989 dispõe “…sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência, sua integração social, sobre a Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência - Corde, institui a tutela jurisdicional de interesses coletivos ou difusos dessas pessoas, disciplina a atuação do Ministério Público, define crimes, e dá outras providências”. Ela é regulamentada pelo Decreto 3.298, de 20/12/1999.

O diploma legal assegura a sua própria eficácia e de outros direitos coletivos ou difusos inerentes à pessoa portadora de deficiência através da propositura de AÇÃO CIVIL PÚBLICA (que pode ser ajuizada, por exemplo, pelo Ministério Público da União ou por associação com mais de um ano, além de outras entidades específicas – vide art. 3º), cuja sentença tem eficácia erga omnes (ou seja, valerá para todos, indistintamente, e não apenas para as partes envolvidas no processo). Em caso de julgamento improcedente, a ação poderá ser renovada com idêntico pedido, desde que fundada em nova prova, sem o obstáculo da coisa julgada formal e material.

As leis 10.048, de 08 de novembro de 2000, e 10.098, de 19 de dezembro de 2000, tratam do atendimento prioritário e das garantias de acesso (mobilidade). Ambas são regulamentadas pelo Decreto n.º 5.296, de 02 de dezembro de 2004.

Por fim, a Lei 8.213/91, traça normas protetivas ao trabalhador que, inclusive, pode tornar-se vítima em acidente de trabalho que o sujeite a um estado de deficiência. Assim, não há exigência de carência para o trabalhador empregado em caso de aposentadoria por invalidez ou auxílio-doença acidentário (art. 26, II), enfatizando que o dispositivo fala em acidente de qualquer natureza, ou seja, não está restrito ao acidente de trabalho.

O diploma previdenciário também assegura o direito à habilitação e a reabilitação profissional (art. 89 e seguintes), dispondo ainda, em seu art. 93, de uma reserva de mercado para as pessoas portadoras de deficiência em empresas com mais de 100 empregados. Além disso, o dispositivo legal estabelece regra condicional para o exercício do ato potestativo de despedir, nas mãos do empregador. Vale a pena transcrever a norma:

Art. 93. A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção:


I - até 200 empregados...........................................2%;


II - de 201 a 500.…........…........................................3%;

III - de 501 a 1.000..................................................4%;

IV - de 1.001 em diante. ..........................................5%.

§ 1º A dispensa de trabalhador reabilitado ou de deficiente habilitado ao final de contrato por prazo determinado de mais de 90 (noventa) dias, e a imotivada, no contrato por prazo indeterminado, só poderá ocorrer após a contratação de substituto de condição semelhante.

§ 2º O Ministério do Trabalho e da Previdência Social deverá gerar estatísticas sobre o total de empregados e as vagas preenchidas por reabilitados e deficientes habilitados, fornecendo-as, quando solicitadas, aos sindicatos ou entidades representativas dos empregados.

CONCLUSÕES.

Sob o aspecto legal, o ordenamento jurídico brasileiro pode ser reputado eficiente, uma vez que a atenção à pessoa portadora de deficiência é dedicada à duas linhas básicas: a) promover a assistência; b) promover a sua integração social, assegurando-lhe o primado da igualdade.

Entre o que diz a lei e a realidade em que vivemos, no entanto, ainda carecemos de uma transformação efetiva, que comece pela adoção de um olhar mais amplo para a concepção do homem - e, com isso, possamos construir um melhor entendimento do que seja nossa própria humanidade -, até a efetiva reconstrução de calçadas, implantação de sinalizações adequadas, adoção de plataformas especiais para acesso das pessoas portadoras de deficiência ao transporte público e a observância efetiva das regras de reserva de mercado de emprego (art. 93, Lei 8213/91), dentre tantas outras mudanças ainda necessárias.

A transformação passa, sobretudo, por uma nova Educação, a fim de que, por meio dela, surjam novos profissionais (engenheiros, políticos, juízes, arquitetos, servidores públicos, trabalhadores, empresários etc) que ponham fim, em definitivo às atuais barreiras que limitam as pessoas deficientes além de suas próprias dificuldades naturais.

Quem quiser mais informações sobre o assunto, fica a recomendação do site SOCIEDADE INCLUSIVA, da PUC-MINAS, onde há publicação de interessante Cartilha, disponível para download.

Veja também o material de publicidade desenvolvido pela Secretaria Especial de Direitos Humanos – SEDH/PR sobre o tema:

CAMPANHA “IGUAIS NA DIFERENÇA”

CAMPANHA “IGUAIS NA DIFERENÇA” – ÁUDIODESCRIÇÃO.

Conheça a CORDE (Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência) e o CONADE (Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa Portadora de Deficiência)

Por fim, conheça também a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (em PDF), aprovado pelo Brasil em 09 de julho de 2008, através do Decreto Legislativo n.º 186. A SEDH também disponibiliza uma versão comentada desse documento.

(Postado por Kleber Waki).

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