sexta-feira, outubro 31, 2008

LEGISLAÇÃO & DIREITO: O ADICIONAL DE PERICULOSIDADE E A PROFISSÃO DE VIGILANTE.

(O Remorso de Orestes - 1869, de Willian Adolph Boguereau)


Dois temas permeiam o presente assunto: a segurança e o adicional de periculosidade.

Ambos encontram correlação na Carta Constitucional e estão classificados como direitos sociais. Afinal, a segurança é um direito amplo (art. 6º, caput), já o adicional de periculosidade representa um acréscimo remuneratório previsto explicitamente para os trabalhadores (art. 7º, XXIII). Mas, atente-se para o detalhe: o acréscimo remuneratório será devido "na forma da lei", o que nos remete à conclusão de que o benefício não é meramente intuitivo, exigindo explícita previsão legislativa.

Um outro ponto merece ser realçado: usufruir da segurança não constitui apenas um direito, para o qual não se exija cooperação. Como se trata de um direito social, a participação das personagens envolvidas nesse cenário é elemento fundamental para o alcance do direito.

Por isto, as ações que envolvem atividades de risco e que confluem para ameaçar o direito à segurança exige das pessoas envolvidas nesse ambiente o cumprimento de determinadas regras, sem as quais pode o Estado, inclusive, não autorizar o desenvolvimento de certas atividades econômicas.

Exemplo claro disso são as atividades desenvolvidas pelo sistema financeiro, cujo funcionamento depende de uma estrutura de segurança correspondente com parecer favorável do Ministério da Justiça (art. 1º da Lei n.º 7.102, de 20 de junho de 1983).

Este diploma legal (Lei 7102/83), ao tratar do disciplinamento da segurança para estabelecimentos financeiros, também regula o funcionamento de empresas particulares prestadoras de serviços de segurança (art. 2º) e, por conseguinte, a profissão do vigilante (arts. 15 e seguintes).

As especificações para o exercício da profissão de vigilante, aliás, constituem o diferencial para que este não se confunda com a ocupação de vigia.

Para ser vigilante é necessário ser brasileiro, ter idade mínima de 21 anos, ter cursado pelo menos até a quarta série, ser aprovado em curso específico de formação de vigilantes promovido por estabelecimento devidamente autorizado conforme reza a Lei 7102/83 (art. 20, I, c), ter sido aprovado em exames de saúde física, mental e psicotécnico, não ter antecedentes criminais e estar quite com as obrigações eleitorais e militares (art. 16).

Devidamente preenchidos estes requisitos, o vigilante terá direito ao porte de arma apenas quando em serviço, prisão especial por ato decorrente do serviço, entrega de uniforme que deverá ser custeado exclusivamente pela empresa empregadora e cujo uso somente se dará em efetivo serviço, além de um seguro de vida em grupo feito pela empresa empregadora (art. 19).

Entretanto, apesar do notório risco, os vigilantes não têm direito ao pagamento do adicional de periculosidade, ao menos por expressa previsão legal.

Nesse sentido, como vimos, dispõe o art. 7º, XXIII da Constituição. A posição da jurisprudência segue a mesma lógica interpretativa:

ADICIONAL DE RISCO DE VIDA - VIGILANTE - DEFERIMENTO A PROPÓSITO DO USO OBRIGATÓRIO DE ARMA DE FOGO NA EXECUÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO - PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA LEGALIDADE - VIOLAÇÃO QUE SE RECONHECE CONFIGURADA. Atenta contra a literalidade do art. 7º, inciso XXIII, da Constituição Federal decisão favorável ao pagamento de adicional de risco de vida ao empregado exercente da função de vigilante, fundamentada unicamente no fato da utilização permanente de arma de fogo ao longo da execução do contrato de trabalho, como materialização do estado permanente de exposição do trabalhador ao risco da violência urbana. O art. 193 da CLT não se refere ao uso de arma de fogo como uma das condições de fato determinantes do pagamento da referida parcela, e o mencionado inciso XXIII do art. 7º constitucional, em sua parte final, prevê o pagamento do adicional em questão -na forma da lei-. Por conseguinte, forçoso reconhecer que não há previsão legal expressa para a concessão do adicional pela causa de pedir indicada na hipótese, qual seja: o uso permanente de arma de fogo.
Recurso de revista conhecido e provido.

(RR - 21853/2002-003-11-00.4 , Relator Ministro: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, Data de Julgamento: 09/04/2008, 1ª Turma, Data de Publicação: 25/04/2008).

VIGILANTE - ADICIONAL DE RISCO DE VIDA - AFRONTA AOS ARTIGOS 5º, II, E 7º, XXIII, AMBOS DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Ao contemplar a possibilidade de pagamento do adicional de periculosidade, o art. 7º, XXIII, da Constituição federal deixa expresso que será nos termos da lei, dispositivo, portanto, de eficácia contida. Ora, a Lei nº 7.102/93, que regulamenta a atividade do vigilante, não o contempla com o direito ao referido adicional. Dessa forma, mostra-se inaceitável a conclusão do Regional, quando deferiu o adicional de risco de vida ao ora recorrido, que exerceu a função de vigilante, criando, assim, obrigação ao reclamado, carente de autorização legal ou contratual, em flagrante ofensa aos artigos 5º, II, e 7º, XXIII, ambos da Constituição Federal. Recurso de revista provido.

(RR - 26292/2002-006-11-00.9 , Relator Ministro: Milton de Moura França, Data de Julgamento: 14/04/2004, 4ª Turma, Data de Publicação: 30/04/2004)

Convém sublinhar que a CLT trata do adicional de periculosidade em apenas uma situação: trabalho em contato com inflamáveis ou explosivos em condições de risco acentuado (art. 193). A norma celetista assegura o pagamento de 30 % sobre o salário, excluindo-se da base de cálculo as gratificações, prêmios ou participações nos lucros da empresa. Em resumo, a incidência do percentual de 30 % recai apenas sobre o salário básico, excetuando-se a condição dos eletricitários (Súmula 191/TST: "O adicional de periculosidade incide apenas sobre o salário básico e não sobre este acrescido de outros adicionais. Em relação aos eletricitários, o cálculo do a-dicional de periculosidade deverá ser efetuado sobre a totalidade das parcelas de natureza salarial").

A jurisprudência trabalhista, por outro lado, admite que o valor pago a título de adicional de periculosidade seja adotado na base de cálculo para apuração de horas extras, mas não admite a incidência desse adicional sobre horas de sobreaviso, reputando que o risco é inexistente durante o tempo de aguardo (Súmula 132/TST).

O adicional de periculosidade (assim como o de insalubridade) pode ser requerido pelo sindicato representativo dos trabalhadores, na condição de substituto processual (Súmula 271/TST). E uma vez condenado o empregador, enquanto o trabalhador estiver em condições de risco, cabe à empresa inscrever o pagamento na folha de pagamento enquanto durar a situação de risco (Orientação jurisprudencial nº 172/SBDI-1/TST).

Como vimos, uma outra previsão legal para o pagamento do adicional de periculosidade reside na contemplação desse direito para os eletricitários (Lei n.º 7.369/85) e, ao contrário do que prevê o art. 193 da CLT, a base de cálculo engloba todas as parcelas de natureza salarial (OJ 279/SBDI-1/TST). Entretanto, não cabe o direito a tal adicional se o contato com o ambiente de risco se der apenas em caso eventual (OJ 280/SBDI-1/TST). A interpretação jurisprudencial de significado ampliativo à expressão "eletricitários", reputando assegurado o direito ao adicional a todos aqueles trabalhadores envolvidos no chamado Sistema Elétrico de Potência (OJ 324/SBDI-1/TST), estendendo-o, inclusive, para os conhecidos "cabistas" que atuam nos postes da cidade instalando linhas telefônicas e ligações de TV a cabo, por exemplo. Veja um caso ilustrado na jurisprudência:

RECURSO DE REVISTA - RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA - TOMADORA DO SERVIÇOS - SÚMULA Nº 331 DO TST
O acórdão regional está conforme à Súmula nº 331, item IV, do TST.
ATIVIDADE DE RISCO - ADICIONAL DE PERICULOSIDADE - LAUDO PERICIAL - LEI Nº 7.369/85 - ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL Nº 324 DA SBDI-1
1. Nos termos da Orientação Jurisprudencial nº 324 da SBDI-1, -é assegurado o adicional de periculosidade apenas aos empregados que trabalham em sistema elétrico de potência em condições de risco, ou que o façam com equipamentos e instalações elétricas similares, que ofereçam risco equivalente, ainda que em unidade consumidora de energia elétrica-.
2. Portanto, se o empregado desenvolve atividades de telefonia e trabalha próximo a instalações elétricas, podendo sofrer os riscos dessa atividade, cabível é a condenação ao adicional de periculosidade.
3. O art. 1º da Lei nº 7.369/85, ao afirmar que se destina ao -empregado que exerce atividade no setor de energia elétrica-, não pode ser interpretado como se estivesse restrito à categoria dos eletricitários. Sua incidência ocorre também em relação àqueles cuja atividade lhes cause risco de vida ao entrar em contato com as proximidades da rede elétrica. É essa a interpretação adequada do art. 1º da Lei nº 7.369/85, combinado com o entendimento explicitado na Orientação Jurisprudencial nº 324 da SBDI-1.
REFLEXOS DO ADICIONAL DE PERICULOSIDADE
A matéria não foi ventilada no acórdão regional, tampouco foi objeto de prequestionamento em Embargos de Declaração, atraindo, portanto, o óbice da Súmula 297 do TST.
HORAS EXTRAS - MINUTOS RESIDUAIS
O Tribunal Regional não examinou a matéria acerca dos minutos residuais anteriores e posteriores à jornada normal, em face da Lei nº 10.243/01 e o artigo 58, § 1º da CLT. Assim, a matéria, tal como ventilada no Recurso de Revista, carece de prequestionamento, na forma da Súmula nº 297 do TST.
Recurso de Revista conhecido parcialmente e desprovido.

( RR - 1557/2003-007-03-00.7 , Relatora Ministra: Maria Cristina Irigoyen Peduzzi, Data de Julgamento: 15/10/2008, 8ª Turma, Data de Publicação: 17/10/2008)

SOLUÇÃO LEGISLATIVA.

Ao contrário do que ocorre com outros trabalhadores, que atuam no Sistema Elétrico de Potência, não há diploma legislativo similar que assegure, na legislação trabalhista comum (aqui excluídos os diplomas legais que disciplinam o serviço público), qualquer parâmetro que contemple o uso de arma de fogo.

Uma das soluções possíveis seria o ajuste por meio de convenção ou acordo coletivo de trabalho, o que se daria dentro dos limites da autonomia privada coletiva.

Há registro de tal possibilidade de inserção de novos direitos, cuja eficácia estaria condicionada ao tempo de validade da norma coletiva:

1. ADICIONAL DE RISCO - PREVISÃO EM NORMA COLETIVA - VIGIA FERROVIÁRIO. Não fere o princípio da legalidade a decisão regional que, à vista do princípio isonômico constitucional, concede, no mês da substituição, adicional de risco, previsto em norma coletiva, a empregado que exercia a função de vigia ferroviário em substituição ao titular em férias, porquanto se o instrumento coletivo não prevê o pagamento do adicional na hipótese de substituição, também não o veda. Violação do art. 5º, II, da Constituição Federal não configurada. Revista da Rede Ferroviária Federal amplamente não conhecida. 2. sucessão de empregadores - CONTRATO DE ARRENDAMENTO - EFEITOS. A orientação prevalecente no Tribunal tem sido a de que a Ferrovia Centro-Atlântica é sucessora da Rede Ferroviária Federal, na medida em que um simples edital, atribuindo exclusivamente à Rede a responsabilidade pelo passivo trabalhista existente, não é capaz de alterar a força dos arts. 10 e 448 da CLT.
3. ATUALIZAÇÃO DOS HONORÁRIOS PERICIAIS. O critério a ser observado na atualização dos honorários periciais é aquele previsto na Lei nº 6.899/81, que dispõe acerca da correção monetária dos débitos oriundos de decisão judi-cial, e não o adotado para a correção dos débitos trabalhistas, pois a verba honorária não tem caráter alimentar. Revista da Ferrovia Centro-Atlântica parcialmente conhecida e provida.

(RR - 509844/1998.6 , Relator Ministro: Ives Gandra Martins Filho, Data de Julgamento: 14/11/2000, 4ª Turma, Data de Publicação: 15/12/2000).

A segunda alternativa - e de solução definitiva - consistiria na introdução do benefício por meio de lei.

Tramita no Senado Federal o PLS 682/2007, de autoria da Senadora Serys Slhessarenko (PT-MT), propondo a inclusão do inciso V ao art. 19 da Lei n.º 7.102/83, com a seguinte redação:

"V - adicional de periculosidade de trinta por cento sobre o salário, sem os acréscimos resultantes de gratificações, prêmios ou participações nos lucros da empresa."

Segundo noticiou o Senado Federal, o projeto-de-lei será o primeiro item da pauta de votação da Comissão de Assuntos Sociais daquela Casa Legislativa, a ser realizada na próxima sessão em 05/11/2008. e já conta com parecer favorável do seu relator, o Senador José Nery (PSOL-PA).

Quem quiser acompanhar a tramitação do PLS, no Senado, basta clicar aqui.

Espera-se que o benefício seja rapidamente introduzido para os vigilantes, corrigindo uma grave situação de distorção, pois há poucas profissões em que o risco de vida seja tão imediatamente posto a prova, como acontece com esta categoria, mormente num país onde a violência está sempre em nível alarmante. São esses trabalhadores que combatem os males de nossas Erínias.

Não se trata de analisar a questão sob a ótica de mais um benefício trabalhista, mas sim de valorizar adequadamente uma categoria que forma a primeira fila de resistência das violências voltadas em face do cidadão comum. São milhares de homens e mulheres que, em troca de uma forma de sobrevivência digna, sacrificam as suas vidas e o bem estar de suas famílias para assegurar o mais básico dos direitos sociais e que garante a nossa própria sobrevivência: a segurança.

Nada mais justo.

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Postado por Kleber Waki.