sexta-feira, fevereiro 29, 2008

LEGISLAÇÃO & DIREITO. LICENÇA-MATERNIDADE PODE PASSAR PARA 180 DIAS.


(Madona Litta, pintura de autoria supostamente atribuída à Leonardo Da Vinci, 1490/1491, atualmente no Museu Hermitage, em São Petersburgo)


Veja aqui post complementar publicado em 11/09/2008.

Histórico
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A Constituição brasileira consagrou, como valor social, a proteção à maternidade (art. 6º), impondo como obrigação da Previdência e Assistência Social estabelecer a eficácia dessa garantia (art. 201, II e 203, I). Explicitamente, a Carta da República estabeleceu o benefício da licença à gestante, pelo prazo de 120 (cento e vinte) dias, como se vê no art. 7º, XVIII, e também assegurou-lhe estabilidade no emprego desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto. Antes dela, a Constituição de 1934 previa licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário (art. 121, § 1º, "h").

Convém destacar que, como se extrai do Decreto 58820/66 o Brasil é signatário da Convenção 103/OIT desde 18/06/1965. Antes disso, já havia ratificado em 26/4/34 e denunciado (Decreto 51627/62) a Convenção 03 da OIT, que também dispunha sobre a proteção à maternidade da mulher trabalhadora. A Convenção 103 (que revisou a Convenção 03) preconiza, no seu artigo 3, itens 1 e 2, a recomendação de um descanso para a empregada (ou servidora) gestante de no mínimo 12 (doze) semanas, conforme fixação em legislação superveniente que não poderia fixar prazo menor do que seis semanas.

Através da Lei n.º 8.213/91, o benefício foi disciplinado como "salário-maternidade" (art. 18, g). Não se exige a comprovação de carência para as seguradas empregada, trabalhadora avulsa e empregada doméstica (art. 26, VI) e seu benefício será limitado ao valor do salário-contribuição (art. 28).

Já para as seguradas classificadas como contribuinte individual (art. 11, V), segurada especial (art. 11, VII) ou facultativa (art. 13) deverão ser exibidos um recolhimento mínimo de dez contribuições mensais e o benefício será pago no valor correspondente ao salário mínimo (vide art. 25, III c/c art. 39, parágrafo único).

O salário-maternidade é devido atualmente por 120 (cento e vinte) dias, principiando no 28º dia antes do parto e findando 92 dias após (art. 71). Até a edição da Lei n.º 10.421, de 15/04/2000 (que acrescentou o art. 71-A à Lei n.º 8.213/91) e o art. 392-A à CLT, o benefício previenciário era devido apenas à mãe natural. O próprio STF chegou a declarar expressamente que o benefício constitucionalmente previsto não era estendido à mãe adotiva (vide tópico abaixo). Com a introdução dos arts. 71-A à lei 8.313/91 e 392-A à CLT esta discrepância foi corrigida e a mãe adotiva passou a ter igual direito, em prazos diferenciados: 120 dias para adoção ou guarda judicial de criança com até um ano de idade; 60 dias, para adoção ou guarda judicial de criança com idade superior a um e menor do que quatro anos; 30 dias para adoção ou guarda judicial conferida de criança com idade maior de quatro e até oito anos (veja o art. 392-A da CLT).

Inicialmente, a Lei 8.213/91 dispôs que o salário-maternidade seria pago pelas empresas, permitindo a estas a compensação futura. Com a Lei n.º 9.876, de 26/11/1999, o art. 71 da Lei n.º 8.213/91 dispôs que o benefício passaria a ser pago diretamente pela Previdência Social. Com a edição da Lei n.º 10.710, de 05/08/2003, foi restabelecida a fórmula anterior para a segurada empregada, impondo a empresa o pagamento do valor correspondente ao salário-maternidade com direito à compensação futura (art. 72, §1º da Lei 8.213/91). As demais seguradas continuam a receber diretamente do INSS (art. 72, § 3º e art. 73 e seus incisos, Lei 8.213/91).

O salário-maternidade não poderá ser pago cumulativamente ao benefício do auxílio-doença (art. 124, IV da Lei 8.213/91).



Jurisprudência.

A jurisprudência pátria consagrou o entendimento de que tal garantia não está condicionada a uma comunicação efetiva ao empregador, merecendo destaque a ementa lavrada no Agravo de Instrumento n.º 448.572/SP, pelo relator Min. Celso de Mello (in Informativo STF n.º 338/2004):

EMPREGADA GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA (ADCT ART. 10, II, 'b'). PROTEÇÃO À MATERNIDADE E AO NASCITURO. DESNECESSIDADE DE PRÉVIA COMUNICAÇÃO DO ESTADO DE GRAVIDEZ AO EMPREGADOR. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
- A empregada gestante tem direito subjetivo à estabilidade provisória prevista no art. 10, II, 'b', do ADCT/88, bastando, para tal efeito de acesso a essa inderrogável garantia social de índole constitucional a confirmação objetiva do estado fisiológico de gravidez, independentemente, quanto a este, de sua prévia comunicação ao empregador, revelando-se írrita, de outro lado e sob tal aspecto, a exigência de notificação à empresa, mesmo quando pactuada em sede de negociação coletiva. Precedentes.
Conforme aludido no tópico anterior, a Corte Constitucional exarou entendimento de que o benefício do salário-maternidade não se estendia à mãe adotiva, não obstante pudesse sê-lo, desde que por previsão legislativa infraconstitucional. Eis a ementa do acórdão da 1ª turma do STF:

EMENTA: Não se estende à mãe adotiva o direito à licença, instituído em favor da empregada gestante pelo inciso XVIII do art. 7º, da Constituição Federal, ficando sujeito ao legislador ordinário o tratamento da matéria. (RE 197807/RS, Min. Octávio Gallotti, julgamento: 30/05/2000, 1ª Turma, publicado no DJ 18/08/2000, pp. 00093).

Esta questão foi superada com a edição da Lei n.º 10.421/00, como vimos acima.

Com a edição da Emenda Constitucional n.º 20/98, que tratou da reforma do sistema da Previdência Social, dispõs-se em seu art. 14 que os benefícios previdenciários encontrariam limite no patamar inicial de R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais). Este teto vem sendo corrigido desde então.

O Supremo Tribunal Federal, através de sua composição plena decidiu, na ADI 1946-5 (DF) proposta pelo PSB, dar interpretação conforme a Constituição, excluindo da limitação o benefício do salário-maternidade, tendo como escopo principal resguardar o mercado de trabalho da mulher:

O legislador brasileiro, a partir de 1932 e mais claramente desde 1974, vem tratando o problema da proteção à gestante, cada vez menos como um encargo trabalhista (do empregador) e cada vez mais como de natureza previdenciária. (...) Diante desse quadro histórico, não é de se presumir que o legislador constituinte derivado, na Emenda 20/98, mais precisamente em seu art. 14, haja pretendido a revogação, ainda que implícita, do art. 7º, XVIII, da Constituição Federal originária. Se esse tivesse sido o objetivo da norma constitucional derivada, por certo a EC n. 20/98 conteria referência expressa a respeito. E, à falta de norma constitucional derivada, revogadora do art. 7º, XVIII, a pura e simples aplicação do art. 14 da EC 20/98, de modo a torná-la insubsistente, implicará um retrocesso histórico, em matéria social-previdenciária, que não se pode presumir desejado. Na verdade, se se entender que a Previdência Social, doravante, responderá apenas por R$ 1.200,00 (hum mil e duzentos reais) por mês, durante a licença da gestante, e que o empregador responderá, sozinho, pelo restante, ficará sobremaneira, facilitada e estimulada a opção deste pelo trabalhador masculino, ao invés da mulher trabalhadora. (...) A convicção firmada, por ocasião do deferimento da Medida Cautelar, com adesão de todos os demais Ministros, ficou agora, ao ensejo deste julgamento de mérito, reforçada substancialmente no parecer da Procuradoria Geral da República. Reiteradas as considerações feitas nos votos, então proferidos, e nessa manifestação do Ministério Público federal, a Ação Direta de Inconstitucionalidade é julgada procedente, em parte, para se dar, ao art. 14 da Emenda Constitucional n. 20, de 15-12-1998, interpretação conforme à Constituição, excluindo-se sua aplicação ao salário da licença gestante, a que se refere o art. 7º, inciso XVIII, da Constituição Federal." (ADI 1.946, Rel. Min. Sydney Sanches, julgamento em 3-4-03, DJ de 16-5-03
Na seara trabalhista, o entendimento cristalizado sobre o tema pode ser examinado na Súmula 244 do TST:

Súmula Nº 244 do TST
Gestante. Estabilidade provisória. (incorporadas as Orientações Jurisprudenciais nºs 88 e 196 da SDI-1) - Res. 129/2005 - DJ 20.04.05.
I - O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade. (art. 10, II, "b" do ADCT). (ex-OJ nº 88 - DJ 16.04.2004).
II - A garantia de emprego à gestante só autoriza a reintegração se esta se der durante o período de estabilidade. Do contrário, a garantia restringe-se aos salários e demais direitos correspondentes ao período de estabilidade. (ex-Súmula nº 244 - Res. 121/2003, DJ 21.11.2003).
III - Não há direito da empregada gestante à estabilidade provisória na hipótese de admissão mediante contrato de experiência, visto que a extinção da relação de emprego, em face do término do prazo, não constitui dispensa arbitrária.
Verifica-se, portanto, que o entendimento da mais alta Corte do Judiciário Trabalhista não reconhece o direito à estabilidade gestante para os contratos por prazo determinado.

O Supremo Tribunal Federal, no entanto, começa a ampliar esta interpretação, como se vê no julgamento do RE 287905/SC, realizado pela 2ª Turma, tendo como redator do acórdão o Ministro Joaquim Barbosa (que substituiu na tarefa o Ministro Carlos Velloso, na forma do regimento interno):

EMENTA: CONSTITUCIONAL. LICENÇA-MATERNIDADE. CONTRATO TEMPORÁRIO DE TRABALHO. SUCESSIVAS CONTRATAÇÕES. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. ART. 7º, XVIII DA CONSTITUIÇÃO. ART. 10, II, b do ADCT. RECURSO DESPROVIDO. A empregada sob regime de contratação temporária tem direito à licença-maternidade, nos termos do art. 7º, XVIII da Constituição e do art. 10, II, b do ADCT, especialmente quando celebra sucessivos contratos temporários com o mesmo empregador. Recurso a que se nega provimento. (RE 287905-3 SANTA CATARINA), 2ª Turma, julgamento: 28/06/2005).


Inovação legislativa.

O Congresso Nacional examina algumas propostas de ampliação do prazo da licença à gestante, destacando-se dois projetos: a) o Projeto de Emenda à Constituição PEC 30/07, da Deputada Ângela Portela (PT/RR); b) o Projeto-de-lei da Senadora Patrícia Saboya (PDT/CE) sob o n.º PL 2513/2007.

O PEC 30/07 tem como objetivo apenas alterar a redação do inciso XVIII do art. 7º da Constituição Federal, elevando para 180 (cento e oitenta) dias o prazo da licença à gestante. Com isso, permanecerá o vazio legislativo quanto à mãe adotiva, até que também por legislação infraconstitucional seja estendido o prazo. Destaque-se que o fundamento básico do PEC 30/07 consiste em assegurar à mãe natural o prazo para aleitamento materno, observando o prazo de 180 dias adotado na política sanitária do país e que, inclusive, foi adotada pela OMS seguindo recomendação brasileira. Tais argumentos, por si só, parecem excluir a hipótese de ampliação do benefício para a mãe adotiva e não se harmoniza com a campanha da sociedade civil que vê, na ampliação do prazo, benefícios para a formação da criança e não apenas para o exclusivo propósito do aleitamento.

Veja aqui os detalhes da tramitação do PEC, que atualmente aguarda a formação de uma comissão temporária.

Já o PL 2513/2007 dispõe sobre a criação da empresa cidadã como forma de assegurar a ampliação do benefício da licença à gestante, cujos custos serão bancados com renúncia fiscal. De acordo com este projeto, o benefício de ampliação da licença deverá ser requerido pela trabalhadora até o fim do primeiro mês após o parto. O mesmo direito é assegurado às mulheres que obtiverem a adoção ou guarda judicial de criança, assim como servidoras públicas. A criança não poderá permanecer em creche ou órgão similar durante o período da licença ampliativa. Os custos decorrentes da remuneração da trabalhadora no período adicional de sessenta dias poderão ser descontados pelas empresas tributadas com base no lucro real, presumido ou inscritas no SIMPLES. Por fim, o pagamento adicional será excluído do cômputo do salário de contribuição.

Apesar de trazer maiores detalhes, o projeto parece desfigurar a licença proporcional concedida à mãe adotiva ou que obtém guarda judicial, que varia conforme a idade da criança que se quer proteger. Parece também aplicar-se apenas às hipóteses de crianças até um ano de idade. Também não fica claro como se dará o recolhimento previdenciário desse período, uma vez que exclui tais pagamentos do cômputo do salário de contribuição, mas assevera que este interregno de sessenta dias integrará o tempo de serviço.

O projeto-de-lei 2513/07 tramita em caráter conclusivo e será apreciado pelas Comissões de Trabalho, de Administração e Serviço Público; de Seguridade Social e Família; de Finanças e Tributação; e de Constituição e Justiça e de Cidadania.

P.S.: O PL 2513/07 foi aprovado e sancionado como Lei 11770/08. Veja aqui post atualizado sobre o assunto.

* postado por Kleber Waki.

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