quarta-feira, setembro 24, 2008

LEGISLAÇÃO & DIREITO: SOBRE A LICENÇA-PATERNIDADE.



1. A CRIAÇÃO.

A licença-paternidade foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro através do art. 7º, XIX da Constituição Federal, cuja concessão deveria ser melhor explicitada em lei ordinária.

No entanto, para assegurar sua aplicabilidade imediata, a Constituição Federal dispôs, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (art. 10º, § 1º), que até que seja sancionada a lei disciplinadora necessária, o benefício da licença-paternidade ficaria, por ora, previsto com o prazo de cinco dias.

O conhecido jornalista Ricardo Noblat nos conta os bastidores da criação da licença-paternidade brasileira, em post publicado no Blog do Noblat de 28/01/2008, em um dos capítulos da série "Diário do Avô". Conheça agora a "Emenda Rebeca" e delicie-se com uma bela crônica brasileira:

"DIÁRIO DO AVÔ: EMENDA REBECA.

- Por que você está vestido assim? – espantou-se Rebeca.

- Assim como?

- Você não pôs terno completo quando André e Gustavo nasceram.

- Não vi André nascer. Vou ser pai de uma menina. Isso exige uma certa formalidade.

Rebeca entrou no carro e fomos para o Centro Clínico do Lago, em Brasília, onde dali a algumas horas nasceria Sofia. Era o dia 15 de março de 1984.

Tão logo Rebeca foi transferida da sala de cirurgia para o quarto, deixei-a dormindo na companhia da mãe e saí para entrevistar o ex-ministro da Casa Civil do governo João Figueiredo, o general Golbery do Couto e Silva.

Na época, poucos jornalistas tinham acesso a Golbery, um dos cérebros do lento e gradual processo de redemocratização do país. Eu iria encontrá-lo pela primeira vez.

Golbery era uma preciosa fonte de informações sobre os militares. Dava expediente em um pequeno escritório do Banco Cidade de São Paulo.

Pensei que de volta à maternidade ainda encontraria Rebeca dormindo. Que nada! Estava acordada, furiosa comigo e chorava muito.

- Como você foi capaz de me abandonar numa hora dessas para ir trabalhar?

- Fui entrevistar Golbery. Não dava para desmarcar. A agenda dele é muito carregada...

Pior fez meu pai, Gilvan: perdeu o nascimento de dois dos seus seis filhos para assistir jogos decisivos do glorioso Sport Clube do Recife.

Rebeca passou os três anos seguintes reclamando do que eu fizera. E repetindo como se fosse um mantra:

- Se existe licença-maternidade tem que existir licença-paternidade.

Ela testou a idéia em conversa com Augusto César, seu psiquiatra. “Quem pagará a conta?” – perguntou Augusto. “O empregador”, respondeu Rebeca. “Empregador algum vai querer pagar”, garantiu Augusto.

Aí foi instalada em Brasília a Assembléia Nacional Constituinte, destinada a promulgar uma nova Constituição que marcasse a passagem do regime militar inaugurado no país em março de 1964 para o regime democrático restabelecido 21 anos depois com a eleição do presidente Tancredo Neves.

- Vou escolher alguém para apresentar a emenda da licença-paternidade de 30 dias – avisou-me Rebeca.

- Esqueça. Ninguém vai topar. E se topar a emenda será rejeitada – antecipei.

Em uma noite de maio de 1988, jantávamos no restaurante Florentino quando Rebeca avistou o deputado paranaense Alceni Guerra.

- É ele, é ele – apontou excitada.

- É ele o quê?

- É ele o cara ideal para apresentar a emenda.

E explicou por que: Alceni era homem. Se a autora da emenda fosse uma mulher, dificilmente ela vingaria. Além de homem Alceni era médico. E pediatra, ainda por cima. O melhor: a mulher dele, Ângela, estava grávida. E o PFL de Alceni era um partido conservador – incapaz, portanto, de propor uma temeridade.

- Está bem, Rebeca. Só falta combinar com Alceni.

Aquariano vive no mundo da lua. Rebeca é aquariana – assim como Luana. Concordo com suas idéias mais estapafúrdias somente para evitar bate-boca e porque a maioria delas não se materializa mesmo. Por isso convidei Alceni para sentar à nossa mesa.

Pobre Alceni! Sentou, bebeu, jantou e dividiu a conta ouvindo Rebeca falar sem parar das vantagens de o pai dispor de um mês para se dedicar ao filho recém-nascido. Quanto mais ele duvidava das chances de a emenda ser aprovada mais Rebeca argumentava em favor dela.

- Está bem, Rebeca, vou pensar a respeito, mas 30 dias é muito tempo. Talvez cinco – disse Alceni quase rouco de tanto ouvir.

- Na verdade, eu queria que a licença fosse de seis meses. Baixei para um – retrucou Rebeca.

Mal chegamos em casa, Rebeca telefonou para Alceni e retomou seu discurso. E seguiu pressionando-o ao longo das semanas seguintes.

Dali a um mês me telefonou eufórica:

- Ele topou. Ele topou. Alceni vai apresentar a emenda!

- Parabéns, Rebeca. Mas agora estou muito ocupado. Conversaremos mais tarde.

Eu chefiava a redação da sucursal do Jornal do Brasil. E meu expediente diário nunca foi de menos de 12 horas. Durante plantões de fins de semana eu levava André e Gustavo para a sucursal. Ali eles assistiram comigo os jogos do Brasil na Copa do Mundo de 1986.

Por coincidência, estava no Congresso no dia em que a Constituinte votou a emenda de Alceni.

- O senhor acha que essa emenda tem alguma chance de ser aprovada? – perguntei ao deputado Delfim Netto (PPB-SP).

- Sem chances. É uma maluquice.

Na hora de Alceni subir à tribuna para discursar, o deputado Ulysses Guimarães (SP), presidente da Constituinte, da Câmara e do PMDB, debochou ao microfone arrancando risos do plenário:

- Ah, tudo bem, licença para o pai. Precisa disso?

Alceni começou seu discurso contando a história de um casal de nordestinos que migrara para São Paulo, onde não tinha parentes nem conhecidos. Uma vez por lá, a mulher engravidou, pariu e cuidou sozinha do filho porque o marido trabalhava. A lei só lhe concedia um dia de folga.

Lá pelas tantas, depois de ter falado de sua experiência como pediatra e da importância da figura do pai na vida dos filhos, Alceni retomou a história do casal de nordestinos e provocou os que o escutavam:

- Quantas vezes casos como esse terão que se repetir para que o legislador se convença do direito que tem o pai de permanecer ao lado da mãe nos primeiros dias de vida de um novo filho?

Foi um discurso curto, objetivo e eficiente. Alceni deixou a tribuna sob aplausos. Vários colegas o cumprimentaram chorando comovidos. Ulysses pediu desculpa a Alceni pelo comentário debochado.

A emenda acabou aprovada por esmagadora maioria de votos. Virou lei desde que a Constituição foi promulgada em outubro de 1988. Sofia tinha então quatro anos e Vitor, seis.

Hoje, pela primeira vez desde que Luana nasceu, Vitor foi trabalhar. Não desgrudou da mulher e da filha um único momento nos últimos dias. Aprendeu a pôr Luana para arrotar, a trocar suas fraldas e já é capaz de distinguir entre choro de fome, de cólicas e de pura manha. Agradeça à sogra. E, naturalmente, a Alceni.

Rebeca está atrás de um deputado ou senador sensível à idéia de apresentar um Projeto de Emenda à Constituição que estenda aos avós os benefícios da licença paternidade. Ela acha que o assunto é urgente e relevante e que, portanto, poderia ser objeto de uma Medida Provisória assinada por Lula."

2. A LICENÇA-PATERNIDADE EM OUTROS PAÍSES.

Como se vê, a inspiração brasileira para a criação da licença-paternidade visou fomentar uma cultura de maior participação do pai com o ato de nascimento dos filhos, da constituição das famílias, pois não é rara a situação em que as mães vão para os hospitais ou têm os seus próprios filhos em casa, sem contar com a presença de seu respectivo companheiro.

Esta co-participação, aliás, já foi objeto da Lei n.º 11.108/2005, que assegura às mulheres a presença de um acompanhante no momento do parto (trabalho de parto, parto e pós-parto imediato) no âmbito do Sistema Único de Saúde, em rede própria ou conveniada.

Além de consolidar a chamada paternidade responsávei, na qual baseia-se o planejamento familiar (art. 226, § 7º, CR), a licença-paternidade tem sido implantada também com o propósito de estimular o crescimento das famílias.

Na Alemanha, por exemplo, desde janeiro de 2007 houve a implantação de novas regras ampliando a licença-maternidade para um período de 12 a 14 meses após o nascimento dos filhos, com o detalhe de que os últimos dois meses (de uma licença de 14 meses) não poderão ser usufruídos pela mãe e sim pelo pai. O Governo alemão assegura, nesta licença, o pagamento correspondente a 67 % dos salários.

O objetivo do Governo alemão é claro: estimular a taxa de natalidade no país, que hoje detém o menor número da Europa (8,5 nascimentos por 1000 habitantes). Leia aqui a reportagem do Deutsche-Welle sobre o assunto. No Brasil, alcançamos a média de 1,8 filho por mulher, o que representa um índice que era estimado apenas para 2043, num claro sinal de que também por aqui sofreremos o problema da baixa natalidade, com uma massa populacional composta por uma maioria de idosos e poucas crianças.

Na Suécia, o gozo da licença pode ser dividido entre o pai e a mãe por um período de até 13 meses, os quais podem ser usufruídos de uma só vez ou intercalada, até que a criança alcance a idade de 08 meses. O propósito da legislação sueca é assegurar a participação da mulher no mercado de trabalho, estimular a paternidade responsável e aumentar a taxa de natalidade da população. 80 % do valor dos salários é garantido pelo governo e 20 % pelos empregadores. A legislação especial também tem revelado um dado promissor: a redução no número de divórcios. Veja aqui a reportagem levada ao ar pelo Jornal Nacional em 04/10/2007.

4. NA JURISPRUDÊNCIA.

Desponta no cenário jurídico o interessante caso do servidor público que, tendo adotado uma criança, postulou a concessão de licença-maternidade, invocando o direito constitucional de tratamento igualitário.

O pai adotivo, servidor do TRT da 15ª Região, obteve pronunciamento favorável do Ministério Público do Trabalho e êxito na demanda. Por 15 votos a 4, o TRT da 15ª Região concedeu o direito e abriu importante precedente sobre o tema.

Leia mais sobre isso no site do Consultor Jurídico.

3. SOLUÇÃO LEGISLATIVA.

No Brasil, passados quase 20 anos da promulgação da Constituição Federal, ainda não há lei sancionada disciplinando a licença-paternidade, como exige o comando constitucional. O direito continua sendo assegurado por meio da regra constitucional transitória e o benefício limitado ao prazo contínuo e peremptório de cinco dias, custeado exclusivamente pelo empregador.

Os servidores públicos federais, estaduais e municipais usufruem do benefício na forma como disposto em seus estatutos (para o servidor público federal, vide arts. 102, VIII, a c/c 184, II, 185, I, 'e' e 208, da Lei 8.112/90, com prazo limitado de cinco dias, para o pai natural ou adotivo) .

Diversos são os projetos que tramitam no Congresso Nacional tendo como objeto a disciplina da licença-paternidade, tais como o PL 2430/2007, da Deputada Maria do Rosário (PT/RS), ao qual estão apensados os PL 4402/2004, da Deputada Jandira Feghali (PCdoB/RJ), PL 2579/2003, do Deputado Carlos Nader (PFL/RJ) e PL 6485/2002, do Deputado Osório Adriano (PFL/DF)

O PL 2579/03 amplia a licença-paternidade para 7 (sete) dias úteis, atendendo os trabalhadores urbanos, rurais, domésticos e servidores públicos federais.

O PL 4402/2004 estende a licença-paternidade para 30 dias para o pai natural e a 1/4 da licença concedida pela Lei 10421/02, em caso de pai adotante. A alteração alcança apenas os trabalhadores regidos pela CLT, já que o projeto pretende introduzir o inciso III ao art. 473 da Consolidação.

O PL 2430/2007 busca alterar a CLT e a Lei 8112/90, razão pela qual estende-se aos trabalhadores regidos pela CLT (ficando, portanto, excluídos os empregados domésticos) e servidores públicos federais, ampliando a licença-paternidade para 30 dias. O financiamento da licença, para os trabalhadores regidos pela CLT correrá por conta da seguridade social.

Já o PL 6485/2002 não trata especificamente da licença-paternidade, mas de um auxílio-adoção.

De qualquer sorte, levado a Plenário, o PL 2430/2007 foi declarado prejudicado em face da aprovação da Emenda substitutiva de Plenário n.º 01 (PL 6222/2005) que, por sua vez, trata da adoção no país. Veja aqui a tramitação do PL 2430/2007 e aqui a tramitação do PL 6222/2005.

A Câmara começa a analisar, agora, o PL 4028/2008, recém apresentado pela Deputada Rita Camata (PMDB/ES), através do qual pretende introduzir dispositivos à novíssima Lei 11.770/08 (que instituiu o Programa Empresa Cidadã, tornando possível a ampliação da licença-maternidade para até 180 dias. O Blog da Amatra 18 já escreveu sobre este tema aqui - quando abordou a Lei que cria o Programa Empresa Cidadã - e aqui, quando abordou o tema da licença-maternidade).

Na proposta do PL 4028/08, desde que a empregadora seja participante do Programa Empresa Cidadã e não opte a mãe pela extensão de sua licença-maternidade para mais 60 dias, poderá o pai fazer jus a uma licença-paternidade de 30 dias, a ser usufruída logo após o término da licença-maternidade. Trata-se, portanto, de benefício limitadíssimo, eis que implica em atender apenas as grandes empresas e apenas aquelas que decidirem aderir ao programa de renúncia fiscal. Ainda assim, parece pouco promissor que a mãe troque a licença de 60 dias de convívio com o filho por 30 dias de convívio paterno.

O Senado Federal também tem um projeto-de-lei em tramitação, PLS 666/2007, de autoria da Senadora Patrícia Saboya. Por esta propositura, a licença-paternidade passa a ser de 15 (quinze) dias contados a partir do dia seguinte ao do nascimento do filho ou sua adoção. A licença não será mais cumulativa com o período de férias, como ocorre atualmente, mas poderá ser usufruída logo após o término desse período de descanso. O trabalhador também passa a usufruir do mesmo direito assegurado às mães: estabilidade no emprego por um período de 30 (trinta) dias após o término da licença-paternidade. O projeto pretende incluir na CLT os arts. 473-A, 473-B e 473-C, razão pela qual também será discutível se poderão ou não estender-se aos empregados domésticos (vide art. 7º, a, CLT). De lembrar que a Constituição Federal assegura o benefício aos empregados domésticos, assim como exige a disciplina por lei ordinária da licença-paternidade. Adotar a disciplina por lei ordinária, em tese, leva à conclusão de que tal benefício poder-se-ia estender também aos trabalhadores domésticos, mas a lei contribuiria mais se deixasse explicitado, de modo inequívoco, tal alcance, já que a própria CLT exclui de sua aplicação os trabalhadores domésticos. Bastaria um parágrafo único aduzindo que os benefícios aqui disciplinados também se estende aos trabalhadores domésticos.

Acompanhe aqui a tramitação do PLS 666/2007 que, atualmente, aguarda inclusão para votação em Plenário.

Por fim, também tramita na Câmara dos Deputados o projeto de Emenda à Constituição (PEC 114/2007), de autoria do Deputado Arnaldo Vianna (PDT/RJ), alterando a redação do inciso XIX do art. 7º da Constituição. O projeto mantém a licença-paternidade em 5 (cinco) dias, mas acrescenta uma estabilidade para o pai trabalhador, desde a confirmação da gravidez até 4 (quatro) meses após o parto. A garantia de emprego também está condicionada ao fato de ser o pai a única fonte de renda familiar. Acompanhe aqui a tramitação da PEC 114/07.

(Postado por Kleber Waki)

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