terça-feira, dezembro 30, 2008

LEGISLAÇÃO & DIREITO: SOBRE AS COOPERATIVAS DE TRABALHO. O FENÔMENO DA TERCEIRIZAÇÃO.


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1. A Terceirização e a Súmula 331 do TST.

A terceirização (também conhecida como outsourcing - embora esta em um conceito ainda mais amplo) consiste na contratação de terceiros para sua integração no processo produtivo e obtenção de um resultado final.

A rigor, esta colaboração de terceiro nem sempre estará ligado ao produto final de quem o contratou mas, sem dúvida, os esforços prestados pelo contratado asseguram a regularidade do processo produtivo. Um bom exemplo do que falamos são os serviços de limpeza ou vigilância contratados por um banco. Outras vezes, a terceirização está diretamente vinculada ao produto final, como o trabalho na produção de peças, utilizadas depois por montadoras de veículos.

Seja como for, o fenômeno da terceirização é impulsionado por três objetivos siameses: o aperfeiçoamento da qualidade, o aumento da produtividade e a marca de competitividade (leia-se redução de custos).

Quem terceiriza tendo como foco apenas um dos objetivos, como a redução dos encargos fiscais (tributários, inclusive previdenciários) e trabalhistas, corre sério risco de realizar uma implantação equivocada deste mecanismo de produção e ter que assumir diretamente por todos os custos que tentou evitar.

Alguns apontam que a terceirização teve origem após a Segunda Guerra Mundial, nos EUA, quando houve a necessidade de incrementar a produção. Outros apontam que a efetiva implantação de um sistema de terceirização deu-se no Japão, com a criação do toyotismo.

No Brasil, à míngua de uma legislação sobre o tema, o fenômeno da terceirização vem sendo interpretado pelos tribunais como possível dentro da leitura da Súmula 331 do TST, dos quais se destacam três pontos fundamentais: a) ausência de subordinação e pessoalidade; b) prestação de serviços terceirizados apenas na atividade-meio e nunca na atividade-fim; e c) a fixação de uma responsabilidade subsidiária. Veja o teor da súmula trabalhista:

Nº 331 CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (mantida) - Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003

I - A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).

II - A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).

III - Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista, desde que hajam participado da relação processual e constem também do título executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993).

Como se pode perceber, quando o fenômeno da terceirização envolver o serviço público, há expressa ressalva de que o trabalhador terceirizado não formará vínculo com a Administração Pública. Entretanto, isto não implica em negar a responsabilidade da Administração Pública com os encargos fiscais e trabalhistas (incisos II e IV da Súmula 331/TST).


2. As Cooperativas de Trabalho e a Administração Pública. Jurisprudência.

As Cooperativas são definidas como sociedade de pessoas que, com seus produtos e serviços, concorrem para um proveito comum, sem objetivo de lucro que não seja igualmente compartilhado.

A Lei n.º 5.764, de 16 de dezembro de 1971, regula a Política Nacional de Cooperativismo no país.

Há quem defina as cooperativas, à luz do art. 4º da Lei 5.764/71, como sociedades de pessoas que prestam serviços exclusivamente aos associados, afastando assim a idéia de que as cooperativas possam atuar em favor de terceiros.

Todavia, atentando-se para outros dispositivos legais, não há como negar que as cooperativas estão aptas a prestar serviços para terceiros, tanto na oferta de bens quanto de serviços.

A começar pelo fato de que o art. 4º da Lei n.º 5.764/71, ao tratar dos princípios do cooperativismo, abordou apenas rapidamente as cooperativas de serviços, silenciando sobre as cooperativas de bens. E sabemos que os principios do cooperativismo aplicam-se a ambas.

Segundo, pelo fato de que as cooperativas não são formadas exclusivamente por pessoas físicas, podendo, excepcionalmente, contar com pessoas jurídicas em seu quadro societário (art. 6º, II e III da Lei 5.764/71), afastando-se, desse modo, a idéia de que a cooperativa seja um consórcio de forças de pessoas físicas.

Terceiro, porque o art. 86 da Lei n.º 5.764/71 autoriza expressamente o fornecimento de serviços e bens para não associados, desde que autorizados em seu estatuto social:

Art. 86. As cooperativas poderão fornecer bens e serviços a não associados, desde que tal faculdade atenda aos objetivos sociais e estejam de conformidade com a presente lei

Por fim, a própria Consolidação das Leis do Trabalho - CLT prevê a prestação de serviços para terceiros, quando fala em "tomadores de serviços":

Art. 442 - Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego.

Parágrafo único - Qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo empregatício entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela. (Incluído pela Lei nº 8.949, de 9.12.1994) - destaquei.

Portanto, parece não haver dúvidas de que as cooperativas de trabalho possam participar do fenômeno da terceirização, oferecendo sua mão-de-obra para atividades-meio das empresas contratantes como se vê, aliás, amplamente, em serviços de limpeza e vigilância, principalmente.

Mas, e com relação à Administração Pública? Há alguma vedação legal?

De acordo com o art. 71 da Lei n.º 8.666/93 (Lei das Licitações), não há que se falar em responsabilidade da Administração Pública quando houver, por parte do contratado, inadimplência das obrigações trabalhistas, assumindo ela apenas o ônus da ausência de recolhimentos previdenciários:

Art. 71. O contratado é responsável pelos encargos trabalhistas, previdenciários, fiscais e comerciais resultantes da execução do contrato.

§ 1º. A inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento, nem poderá onerar o objeto do contrato ou restringir a regularização e o uso das obras e edificações, inclusive perante o Registro de Imóveis. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)

§ 2º. A Administração Pública responde solidariamente com o contratado pelos encargos previdenciários resultantes da execução do contrato, nos termos do art. 31 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991. (Redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995)

Em resumo, por um lado a Lei das Licitações afasta, expressamente, a responsabilidade da Administração Pública. Por outro, a Súmula 331/TST, porquanto invoque esta norma em seu enunciado, nega-lhe total eficácia.

Esta dicotomia provocou o ajuizamento de uma Ação Direta de Constitucionalidade, proposta pelo Governo do Distrito Federal (ADC 16) junto ao Supremo Tribunal Federal. O pedido de liminar, para suspensão dos julgamentos de todos os processos trabalhistas pertinentes ao tema, foi indeferido pelo relator, Ministro Cézar Peluso (vide notícia publicada no site do STF em 14/05/2007).

A ADC 16 foi inserida na pauta de julgamento de 10/09/2008, quando o Ministro Cézar Peluso proferiu seu voto pelo não conhecimento da Ação, abrindo divergência o Ministro Marco Aurélio.

De acordo com o relator, o próprio TST admitiu a validade da norma, asseverando que o teor da súmula 331 decorre da interpretação conjunta de outros dispositivos legais. Já o Ministro Marco Aurélio interpretou a existência de confronto que subtrai de fato a eficácia do art. 71 da Lei 8666/93, antecipando seu voto de conhecimento da ação para o exame de mérito, inclusive em face da ampla repercussão que a matéria provoca no seio da Administração Pública em todos os seus níveis (leia mais acessando a notícia publicada no site do STF em 10/09/2008).

Esta questão fundamental, aliás, está imbricada com outra, afeita às cooperativas de trabalho: afinal, elas podem ou não prestar serviços à Administração Pública?

Pelo menos com a União, esta possibilidade encontra-se, por ora, vedada, em face de Termo de Ajustamento de Conduta firmado com o Ministério Público do Trabalho (Processo 1082-2002-020-10-00-0), perante a MM. 20ª Vara do Trabalho do Distrito Federal. A recomendação de proibição de participação de cooperativas em serviços terceirizados que impliquem em ordinária relação de emprego entre o obreiro e o contratado (prestador de serviços) também consta do Acórdão 1815/2003 - Plenário, do Tribunal de Contas da União.

Este Termo de Ajustamento de Conduta, por sua vez, é alvo de uma Ação Rescisória (ROAR 345/2003), tendo a SDI-2/TST decidido, por maioria, em admitir a legitimidade do Sindicato das Cooperativas de Trabalho do Rio de Janeiro (FETRABALHO). Vencida esta preliminar, o processo retornou ao relator para a elaboração do voto de mérito (veja notícia no site do TST, publicada em 17/08/2006). O TST, no mérito, não deu provimento ao recurso ordinário em Ação Rescisória, assim como também negou seguimento, em juízo de admissibilidade, o recurso extraordinário interposto para o STF (veja aqui o acompanhamento processual).

O Superior Tribunal de Justiça também tem reconhecido os efeitos do Termo de Ajustamento de Conduta, como se destaca nesta jurisprudência:

AGRAVO REGIMENTAL - SUSPENSÃO LIMINAR EM MANDADO SEGURANÇA - DEFERIMENTO - COOPERATIVA DE MÃO-DE-OBRA - LICITAÇÃO - TERMO DE ACORDO FIRMADO ENTRE O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO E A ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO - GRAVE LESÃO À ORDEM E À ECONOMIA PÚBLICAS CONFIGURADAS.
1. Na contratação de empresa comercial fornecedora de mão-de-obra pode a administração precaver-se do risco de pagar duas vezes por um mesmo serviço, exigindo, a cada liberação do pagamento pelos serviços contratados, a apresentação do comprovante de quitação da empresa para com as obrigações trabalhistas e previdenciárias de seus empregados, precaução impossível de ser tomada em se tratando de cooperativa, pois, nesse caso, não há reconhecimento prévio de vínculo empregatício entre o cooperado e a cooperativa que a obrigue ao pagamento de tais verbas. Ameaça de lesão à economia pública decorrente da possibilidade de, em contratando mão-de-obra cooperativada, vir a administração a ser condenada, em ação trabalhista, a pagar duas vezes por um mesmo serviço prestado, por não haver meios de acautelar-se preventivamente.
2. Não é a via excepcional da suspensão de liminar em mandado de segurança o meio processual adequado ao exame da constitucionalidade de termo de compromisso firmado pela União, nem tampouco da legalidade de vedação contida em edital de licitação, o que poderá ser aferido nas vias ordinárias próprias.
3. Permanecendo válido termo de acordo firmado entre o Ministério Público do Trabalho e a Advocacia Geral da União, pelo qual a União se obrigou a não contratar trabalhadores por meio de cooperativas de mão-de-obra para prestação de serviços ligados às suas atividades fim ou meio, quando o labor, por sua natureza, demandar execução em estado de subordinação, quer em relação ao tomador, quer em relação ao fornecedor de serviços, a inobservância dessa diretriz por quaisquer dos órgãos da administração pública federal, configura ameaça de lesão à ordem pública, aqui compreendida a ordem administrativa;
4. Agravo Regimental não provido.
(AgRg na SS 1.352/RS, Rel. Ministro EDSON VIDIGAL, CORTE ESPECIAL, julgado em 17/11/2004, DJ 09/02/2005 p. 165).


3. Solução Legislativa.

Diversos são os projetos de lei que tramitam na Câmara e no Senado versando sobre terceirização e cooperativas de trabalho.

Dentre estes, destaca-se o PL 6420/2005, de autoria do Senador Rodolfo Tourinho, que na sua redação original expressamente vedava a participação de cooperativas de trabalho pela administração pública e, por outro lado, definia a responsabilidade subsidiária dos órgãos públicos contratantes de serviços terceirizados.

O PL 6420/2005 encontra-se, desde o dia 08/12/2008, na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados, após a aprovação do parecer do Deputado Tarcísio Zimmermann, na Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público, que sugeriu importantes modificações como: 1) a instituição de responsabilização SOLIDÁRIA (e não apenas SUBSIDIÁRIA, como é hoje reconhecida na jurisprudência) das empresas contratantes; 2) a exclusão da probição de cooperativas de trabalho nos procedimentos licitatórios da Administração Pública, em atenção ao art. 174, § 2º da Constituição Federal . Acompanhe aqui a tramitação do referido projeto-de-lei.

O projeto segue, agora, em regime de prioridade para ser apreciado nas Comissões de Finanças e Tributação e Constituição e Justiça, em caráter conclusivo (isto é, a rigor, sem retorno à votação em Plenário), conforme noticiou a própria Câmara dos Deputados em 03/12/2008.

(Postado por Kleber Waki).

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