sábado, agosto 02, 2008

SÚMULA 349/STJ. COBRANÇA DO FGTS PELA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. EXECUÇÃO FISCAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL OU DA JUSTIÇA COMUM POR DELEGAÇÃO.

Recentemente, foi pacificado pelo STJ, o conflito de competências entre a Justiça Federal e a Justiça do Trabalho no que diz respeito às ações de execução fiscal, promovidas pela Caixa Econômica Federal (mediante convênio, conforme dispõe a Lei 8.844⁄94 modificada pela Lei 9.467⁄97) ou Fazenda Pública, tendo como objeto o recolhimento do FGTS. A jurisprudência do STJ restou cristalizada na edição da Súmula 349, com o seguinte enunciado:

Compete à Justiça Federal ou aos juízes com competência delegada o julgamento das execuções fiscais de contribuições devidas pelo empregador ao FGTS.

A rigor, a definição da competência da Justiça Federal - ou da Justiça Estadual por delegação conferida através do art. 109, § 3º da Constituição Federal - não significa, como pode parecer inicialmente, um desprestígio à competência da Justiça do Trabalho uma vez, que, a rigor, quanto ao objeto, tanto uma quanto a outra continuam a deter competências concorrentes.

Lembremos, inicialmente, que até a promulgação da Constituição de 1988, prevalecia no ordenamento jurídico o exclusivo critério ratione personae para definição da competência da Justiça Federal, de tal modo que, o simples ingresso da União como assistente ou oponente era suficiente para o deslocamento da competência para àquele órgão jurisdicional. Confira a redação do art. 125, § 2º da CR 1967 com a Emenda n.º 01/69:

Art. 125. Aos juízes federais compete processar e julgar, em primeira instância:
...omissis...
§ 2º As causas propostas perante outros juízes, se a União nelas intervier, como assistente ou opoente, passarão a ser da competência do juiz federal respectivo.

Já na Carta da República de 1988, a situação foi alterada, passando a prevalecer a competência dos juízes especializados:

Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:

I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho;
...omissis...
§ 3º - Serão processadas e julgadas na justiça estadual, no foro do domicílio dos segurados ou beneficiários, as causas em que forem parte instituição de previdência social e segurado, sempre que a comarca não seja sede de vara do juízo federal, e, se verificada essa condição, a lei poderá permitir que outras causas sejam também processadas e julgadas pela justiça estadual.

Não há dúvidas quanto à competência concorrente, no que diz respeito ao objeto (recolhimento do FGTS), porquanto sobre ele estão atados diferentes interesses, para os quais há diferentes titulares.

O FGTS, enquanto parcela patrimonial, pertence necessariamente ao trabalhador, ainda que sobre ele tenha disposição limitada (observando-se a disciplina legal quanto às hipóteses de saque ou de investimento, por exemplos).

Mas o FGTS também tem natureza de direito social e a gestão desses recursos cabe à Caixa Econômica Federal, o que o faz, por exemplo, na administração do Sistema Financeiro de Habitação e outros investimentos sociais.

Enquanto parcela patrimonial, o interesse do trabalhador está claramente evidenciado na relação de trabalho pois é esta que dá origem a tal obrigação. Não existe FGTS devido sem relação de trabalho.

E bem por isso, a competência da Justiça do Trabalho - essencialmente definida em razão da matéria (e não sobre a pessoa, como enganadamente pode parecer esta ótica de analisar sobre as figuras de empregado e empregador) - teria fortes razões para prevalecer.

Isto porque, desde a Emenda 45/04, a competência da Justiça do Trabalho não está mais resumida aos exclusivos personagens de empregado e empregador, mas sim para todos os atores que se relacionam em qualquer relação de trabalho (excluindo-se, por força de interpretação constitucional, os servidores públicos estatutários e os de contratação especial, isto é, não celetistas).

A redação do art. 114 da Constituição Federal assim se expressa:

Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)

I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)


Portanto, tendo o FGTS sua origem natural na relação de trabalho, uma vez que, inexistente esta não haveria tal obrigação - e considerando que tal vínculo jurídico marca a competência da Justiça Especializada inclusive quanto aos entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta, nada obstaria que a Fazeda Pública Nacional, em execuções fiscais promovidas para o recolhimento do FGTS devido pelo empregador, tivesse seus processos tramitando regularmente pela Justiça do Trabalho.

Este ângulo, todavia, não foi o que prevaleceu no STJ.

Seguindo o mesmo viés bem expresso na redação do art. 125, § 2º da CR 1967/Emenda Const. n.º 01/1969, o entendimento que prevaleceu foi o de separar os interesses do trabalhador (caráter patrimonial) dos interesses da Caixa Econômica Federal (caráter de gestão) e, ante a natureza pública deste último, fazer prevalecer a regra ratione personae, que afirma a competência da Justiça Federal.

Dentre os precedentes adotados para a superação definitiva do conflito de competência há, inclusive, argumentos no sentido de que a expressão "relação de trabalho", adotada no inciso I do atual art. 114 da CF diz respeito a litígio entre partes. Veja:

O art. 114 da Constituição Federal, com redação conferida pela EC n.º 45⁄04, enuncia:

'Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
I - as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios' (...)

Como bem acentuou o d. representante do Ministério Público Federal, 'o referido dispositivo legal refere-se a litígios entre partes, não se inserindo nesse contexto os executivos fiscais promovidos pela União, ainda que a Fazenda Nacional tenha como substituto processual a CEF' (fl. 124).

A norma em destaque aplica-se às ações judiciais entre partes envolvidas na relação de trabalho, como o são empregado e empregador, prestador de serviços e o respectivo tomador, dono da obra e empreiteiro, profissional liberal e contratante etc.

Relação de trabalho é 'o vínculo que se estabelece entre a pessoa que executa o labor - o trabalhador propriamente dito, o ser humano que empresta a sua energia para o desenvolvimento de uma atividade - e a pessoa jurídica ou física que é beneficiária desse trabalho, ou seja, aufere o resultado proveniente da utilização da energia humana por parte daquele.'(Brandão, Cláudio Mascarenhas. 'Relação de Trabalho: Enfim, o Paradoxo Superado' in "Nova Competência da Justiça do Trabalho⁄Grijalbo Fernandes Coutinho, Marcos Neves Fava, coordenadores - São Paulo: LTr 2005, p. 59).

Os depósitos para o FGTS representam obrigação legal do empregador em benefício do empregado. Há, entretanto, nítido interesse federal na higidez do Fundo, cujos recursos são utilizados na implementação de políticas habitacionais vinculadas ao Sistema Financeiro da Habitação - SFH.

A execução fiscal das dívidas do FGTS, a cargo da União ou da CEF mediante convênio, não se confunde com a relação de trabalho subjacente, já que não envolve diretamente empregador e empregado. Cuida-se de relação que decorre da lei (ex lege) e não da vontade das partes (ex voluntate). É também uma relação de Direito Público, que se estabelece entre a União, ou a CEF, e os empregadores inadimplentes com o FGTS, e não de Direito Privado decorrente do contrato de trabalho.

Assim, a competência para processar e julgar as execuções fiscais propostas pela União, ou pela CEF mediante convênio, para a cobrança do FGTS permanece, mesmo após a EC n.º 45⁄04, com a Justiça Federal, a menos que o domicílio do devedor não seja sede de Vara dessa especializada, quando então caberá o processamento do feito ao Juiz de Direito da comarca por delegação federal, nos termos do art. 109, § 3º da CF⁄88 c⁄c o art. 15 da Lei n.º 5.010⁄66 e Súmula n.º 40⁄TFR.
Conflito de Competência 53878, Relator Ministro Castro Meira, 1ª Seção, STJ).
A competência da Justiça do Trabalho também foi refutada quanto ao que dispõe o inciso VII do art. 114 da CF ("VII as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho") ao argumento de que o FGTS cobrado não constitui espécie de penalidade administrativa, como se vê no Conflito de Competência n.º 64.199/MG, tendo como relator o Ministro Luiz Fux e em cujo voto destacou-se aresto proferido no Conflito de Competência 59.249/MS:

PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. FGTS. EXECUÇÃO FISCAL. INCISO VII, DO ART. 114, DA CF⁄1988.DISPOSITIVO ACRESCENTADO PELA EC N° 45⁄2004. HIPÓTESE LEGAL NÃO-CARACTERIZADA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL.
1. Cuida-se de conflito de competência negativo, nos autos de execução fiscal relativa a importâncias devidas a título de FGTS, suscitado pelo Juízo da 1ª Vara do Trabalho de Campo Grande - MS em face do Juízo Federal da 6ª Vara Especializada em Execuções Fiscais da Seção Judiciária do Estado de Mato Grosso do Sul.
2. O art. 114, inciso VII, da CF⁄1988, acrescido pela EC n° 45⁄2004, apresenta o seguinte teor: Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar: VII - as ações relativas às penalidades administrativas impostas aos empregadores pelos órgãos de fiscalização das relações de trabalho; (...)". A lide em comento não se subsume à hipótese constitucional. As importâncias devidas pelo empregador ao Fundo não possuem natureza jurídica de penalidade administrativa, tampouco pode-se afirmar que a CEF esteja atuando como órgão fiscalizador das relações de trabalho.
3. A jurisprudência desta Corte sinaliza para a adoção do entendimento de que as alterações promovidas pela EC n° 45⁄2004 no art. 114 da Carta Maior não afastaram a competência da Justiça Federal para apreciar as execuções promovidas pela CEF visando à cobrança de contribuições devidas pelos empregadores ao FGTS. Confira-se: CC n° 52095⁄SP, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, 1ª Seção, DJ de 27⁄03⁄2006; CC n° 52099⁄SP, deste Relator, 1ª Seção, DJ de 20⁄02⁄2006; CC n° 53878⁄SP, Rel. Min. Castro Meira, 1ª Seção, DJ de 13⁄02⁄2006. (Grifei).

4. Conheço do presente conflito de competência para declarar competente para o feito o Juízo Federal da 6ª Vara Especializada em Execuções Fiscais da Seção Judiciária do Estado de Mato Grosso do Sul." (CC 59.249⁄MS, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA SEÇÃO, DJ 6⁄11⁄2006).
Porém, notem que a Lei n.º 8.844/94, que dispõe sobre a possibilidade da CEF ajuizar demanda buscando o recolhimento do FGTS é assim ementada:

"Dispõe sobre a fiscalização, apuração e cobrança judicial as contribuições e multas devidas ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

Ou seja, mesmo que a ação tenha por objeto o recolhimento do FGTS (principal), este processo é resultante de ação fiscalizadora, como fica claro no art. 1º da Lei n.º 8.844/94:

Art. 1° Compete ao Ministério do Trabalho a fiscalização e a apuração das contribuições ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), bem assim a aplicação das multas e demais encargos devidos.
Parágrafo único. A Caixa Econômica Federal (CEF) e a rede arrecadadora prestarão ao Ministério do Trabalho as informações necessárias ao desempenho dessas atribuições.

Desse modo, restou definitivamente solvido o conflito de competência entre a Justiça do Trabalho e a Justiça Federal, ficando reservado, para a primeira, a cobrança do FGTS quando decorrente de litígio entre as partes (empregado e empregador) e para a segunda a cobrança do mesmo objeto quando decorrente de execução fiscal promovida pela Caixa Econômica Federal ou Fazenda Nacional.

(postado por Kleber Waki. O tema é indicado a este blog por Larissa Nolasco, a quem agradecemos).

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