sábado, novembro 29, 2008

LEGISLAÇÃO & DIREITO: O ADICIONAL DE INSALUBRIDADE, A SÚMULA VINCULANTE N.º 04 DO STF E A SÚMULA 228 DO TST. O PLS 294/2008



Coalmine in the Borinage, Vicent Van Gogh, 1879

INTRODUÇÃO

O primeiro julgamento realizado pelo Supremo Tribunal Federal, já sob a exigência do recente pressuposto de repercussão geral, deu-se no RE 565714-SP, através do qual os policiais militares paulistas postulavam a declaração de inconstitucionalidade da Lei complementar paulista n.º 432/85, na parte em que fixava como base de cálculo do adicional de insalubridade o salário mínimo, já que o art. 7º, IV da Constituição veda sua vinculação para qualquer fim.

Os recorrentes também postularam que, através do recurso à analogia, o adicional de insalubridade passassse a ser calculado sobre os vencimentos.

Como sabemos, o recurso deu origem à Súmula Vinculante n.º 04, que ficou assim redigida:

Salvo nos casos previstos na Constituição, o salário mínimo não pode ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado, nem ser substituído por decisão judicial.
A conclusão tem deixado muitos operadores do Direito em dúvida sobre como agir, uma vez que a súmula vinculante, de teor obrigatório para todos (inclusive juízes e desembargadores), não permite que o julgador fixe outra base de cálculo.


UM POUCO DE HISTÓRIA.

Podemos notar que toda a celeuma decorre do fato de que, antes da Constituição de 1988, tínhamos uma regra que atava o salário mínimo ao adicional de insalubridade e isso foi dissociado com a norma atual que veda a vinculação do mínimo legal para qualquer fim.

Mas, de onde veio a idéia de conjugar adicional de insalubridade com salário mínimo?

Voltando ao passado, constatamos que o adicional de insalubridade e o salário mínimo são uma espécie de "gêmeos" jurídicos, porque nasceram através da mesma lei: o Decreto-lei n.º 2.162, de 1º de maio de 1940. Através desse diploma também foram estabelecidos os percentuais que vigoram até hoje, de 10 %, 20 % e 40 %, conforme o grau de insalubridade constatado (mínimo, médio e máximo).


A REPERCUSSÃO GERAL E A SÚMULA VINCULANTE.

Um outro ponto que precisa ser definido, na compreensão do entendimento do STF, são os efeitos distintos que provocam a repercussão geral e a súmula vinculante.

O primeiro é um pressuposto recursal para os Recursos Exraordinários. Apesar de evidenciado na causa uma matéria que transcenda o interesse subjetivo (isto é, o interesse das partes), o resultado do julgamento diz respeito apenas às partes envolvidas no processo submetido à decisão. Não há o chamado efeito "erga omnes", modulação de efeitos da decisão ou vinculação de seu resultado.

Já a Súmula Vinculante, obriga a todos pelo entendimento que for enunciado.

Ao julgar o RE 565714 e uniformizar o entendimento do STF, os Ministros decidiram que, apesar da inconstitucionalidade da vinculação ao salário mínimo, não poderiam acolher o pedido e produzir um resultado que fosse agravar a situação dos recorrentes. Seria o mesmo que dizer que os autores teriam ido a juízo para piorar suas situações, configurando uma "reformatio in pejus". Por isso, apesar de inconstitucional a vinculação - e não sendo hipótese de aplicação da analogia (já que os Ministros do STF atuam em sentido oposto, como legisladores negativos) - não houve alteração do status em que se encontram os recorrentes.

Por outro lado, a Súmula Vinculante n.º 04 foi expressa em declarar apenas a inconstitucionalidade da indexação do adicional de insalubridade ao salário minimo e vedar que a base de cálculo seja criado por força de decisão judicial.

Na prática, isto nos remete à manutenção do atual estado das coisas, até que venha lei específica, como exige a Constituição, fixando a base de cálculo que não mais poderá adotar o salário mínimo como referência.


RECLAMAÇÕES NO STF.

Não obstante o que restou decidido na Súmula Vinculante n.º 04, o Tribunal Superior do Trabalho promovou a alteração da sua Súmula 228, que passou a ter o seguinte enunciado:

Nº 228 ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. BASE DE CÁLCULO (redação alterada na sessão do Tribunal Pleno em 26.06.2008) - Res. 148/2008, DJ 04 e 07.07.2008 - Republicada DJ 08, 09 e 10.07.2008.
A partir de 9 de maio de 2008, data da publicação da Súmula Vinculante nº 4 do Supremo Tribunal Federal, o adicional de insalubridade será calculado sobre o salário básico, salvo critério mais vantajoso fixado em instrumento coletivo.
A alteração da súmula trabalhista provocou imediata Reclamação, apresentada sob o n.º 6266, obtendo o recorrente decisão liminar que suspendeu os efeitos da Súmula 228/TST. Transcrevo na parte que interessa:

À primeira vista, a pretensão do reclamante afigura-se plausível no sentido de que a decisão reclamada teria afrontado a Súmula Vinculante n° 4 desta Corte: 'Salvo nos casos previstos na Constituição, o salário mínimo não pode ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado, nem ser substituído por decisão judicial.' Com efeito, no julgamento que deu origem à mencionada Súmula Vinculante n° 4 (RE 565.714/SP, Rel. Min. Cármen Lúcia, Sessão de 30.4.2008 - Informativo nº 510/STF), esta Corte entendeu que o adicional de insalubridade deve continuar sendo calculado com base no salário mínimo, enquanto não superada a inconstitucionalidade por meio de lei ou convenção coletiva. Dessa forma, com base no que ficou decidido no RE 565.714/SP e fixado na Súmula Vinculante n° 4, este Tribunal entendeu que não é possível a substituição do salário mínimo, seja como base de cálculo, seja como indexador, antes da edição de lei ou celebração de convenção coletiva que regule o adicional de insalubridade. Logo, à primeira vista, a nova redação estabelecida para a Súmula n° 228/TST revela aplicação indevida da Súmula Vinculante n° 4, porquanto permite a substituição do salário mínimo pelo salário básico no cálculo do adicional de insalubridade sem base normativa. Ante o exposto, defiro a medida liminar para suspender a aplicação da Súmula n° 228/TST na parte em que permite a utilização do salário básico para calcular o adicional de insalubridade.(...) Ministro Gilmar Mendes - Presidente do STF

No mesmo sentido, suspendendo os efeitos da decisão judicial que adota base de cálculo não prevista em lei, vem a decisão na Reclamação 6873, proferida em caráter liminar pelo Ministro Menezes Direito:

Na sessão de 30 de abril de 2008, o Plenário deste Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o mérito do recurso extraordinário nº 565.714/SP, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, firmou o entendimento de não ser legítimo o cálculo do adicional de insalubridade com base no salário mínimo, por constituir fator de indexação, implicando a prática ofensa ao artigo 7º, inciso IV, da Constituição Federal. Na mesma assentada, foi aprovada a Súmula Vinculante nº 4 deste Tribunal, com a seguinte redação:

“Salvo os casos previstos na Constituição, o salário mínimo não pode ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado, nem ser substituído por decisão judicial.”

Por fim, o Tribunal decidiu que não seria possível julgar procedente o pedido dos autores para que a base de cálculo do adicional de insalubridade fosse alterada para o total da remuneração, ante a impossibilidade do Judiciário atuar como legislador positivo.

No caso dos autos, os autores postulam o pagamento do adicional de insalubridade e que “seja a base do adicional calculada considerando o salário base de cada trabalhador, nos termos da Constituição federal, e de forma alternativa, seja utilizada a base de cálculo do salário mínimo” (fl. 100).

A reclamação trabalhista foi julgada parcialmente procedente, tendo o Juízo da 2ª Vara do Trabalho de Campina/SP, assim determinado:

“O respectivo adicional será calculado sobre o salário base, tendo em vista a recente Súmula Vinculante 4 do STF e posição atual o TST, manifestada a Sumula 228. Independente dos entendimentos recentes percebe-se que esta forma de calculo sempre se mostrou a melhor para fazer a integração da Constituição Federal e na intenção de minimizar os riscos inerentes ao trabalho. Mencionado adicional tem inegável natureza salarial e deve ser usado o mesmo critério do outro adicional similar, que o de periculosidade, havendo critério definido na lei, ou seja, no § 1º do artigo 193 da Consolidação das Leis do Trabalho” (fl. 470).

Considero, nesse exame preliminar, que a decisão reclamada, a princípio, não observou a parte final da Súmula Vinculante nº 4, que impede o Judiciário de alterar a base de cálculo do referido adicional.

Ademais, na RCL nº 6266, o Ministro Gilmar Mendes, em 15/7/08, deferiu liminar para suspender a aplicação da Súmula nº 228/TST na parte em que permite a utilização do salário básico para calcular o adicional de insalubridade. Também o Ministro Ricardo Lewandowski, apreciando questão semelhante, na Rcl nº 6513/RS, deferiu, em 4/9/08, medida liminar para suspender o processamento de reclamação trabalhista.

Do exposto, defiro o pedido de liminar para suspender os efeitos da sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara do Trabalho de Campinas, nos autos da Reclamação Trabalhista nº 662.2004.032.15.00-4.
(...) 30/10/2008 - Ministro Menezes Direito.

Já a Reclamação 6830, aforada contra decisão judicial trabalhista que adotou o salário mínimo para o pagamento do adicional de insalubridade, não obteve êxito no pedido de liminar que suspendesse os efeitos daquela sentença. Veja a decisão da Ministra Carmem Lúcia, relatora desta reclamação e que foi, também, a relatora do RE 565714, que deu origem à SV 04:


(...) 4. O que se põe em foco na presente Reclamação é se seria possível, juridicamente, valer-se o Reclamante desse instituto para questionar a utilização do salário mínimo como base de cálculo para o adicional de insalubridade. Para tanto, há de se considerar se houve, realmente, descumprimento da Súmula Vinculante n. 4 do Supremo Tribunal, pela decisão judicial proferida pelo Juízo da 1ª Vara do Trabalho de Cascavel/PR nos autos da Reclamação Trabalhista n. 2.500/06. O ato reclamado está assim fundamentado: “O laudo pericial às fls. 147/153, complementando às fls. 164/1536, concluiu que o autor laborava em ambiente insalubre, em grau máximo, em razão do contato com pacientes acometidos de doenças infecto-contagiosas (fundamento: NR 15 – ANEXO 14). Acato a conclusão da perícia, realizada por profissional que detém o necessário conhecimento técnico sobre a matéria e verificou “in loco” as condições de trabalho do reclamante. Assim, defiro ao autor, durante todo o contrato de trabalho, adicional de insalubridade em grau máximo (40%). Base de cálculo: salário mínimo nacional. Aqui necessário que se esclareça que a base de cálculo definida não é conflitante com a Súmula Vinculante nº 4 do C. STF, que cancelou a Súmula 17 do C. TST e emprestou nova redação à Súmula 228 da mesma Corte, na medida em que decisão recente proferida pelo C. STF, em sede de liminar, foi suspensa a aplicação da Súmula 228 do C. TST, no tocante a base de cálculo. Assim, entendo que ante a ausência de previsão específica quanto à base de cálculo a ser utilizada para o adicional em comento, prevalece o salário mínimo nacional. Ademais, mesmo que assim não fosse, a Súmula Vinculante antes mencionada deve ser aplicada apenas a partir de 09.05.08, que não alcança o período controvertido nos autos. Reflexos do adicional de insalubridade em horas extras pagas, férias + 1/3, 13º salário e FGTS (11,2%)” (fls. 20-21, grifos nossos). Eis o teor da Súmula Vinculante n. 4: “Salvo nos casos previstos na Constituição, o salário mínimo não pode ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado, nem ser substituído por decisão judicial”. No julgamento da Reclamação n. 6.266/DF, de minha relatoria, conforme previsto no art. 13, inc. VIII, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, o Ministro Gilmar Mendes deferiu a medida liminar pleiteada (...). Nesse exame precário, próprio das medidas liminares, não vislumbro o descumprimento da Súmula Vinculante n. 4 do Supremo Tribunal Federal. A uma, porque na fundamentação do ato reclamado, dando cumprimento à decisão liminar proferida pelo Ministro Gilmar Mendes nos autos das Reclamações ns. 6.266/DF, 6.275/DF e 6.277/DF, o Juízo da 1ª Vara do Trabalho de Cascavel/PR deixou de aplicar a Súmula n. 228 do Tribunal Superior do Trabalho. A duas, porque, como assentado pelo Ministro Gilmar Mendes na decisão liminar da Reclamação n. 6.266/DF, tem-se “(...) com base no que ficou decidido no RE 565.714/SP e fixado na Súmula Vinculante n° 4, [que] este Tribunal entendeu que não é possível a substituição do salário mínimo, seja como base de cálculo, seja como indexador, antes da edição de lei ou celebração de convenção coletiva que regule o adicional de insalubridade” (DJ. 5.8.2008, grifos nossos). Inexiste até a presente data lei ou convenção coletiva que regule a matéria, razão pela qual, embora inconstitucional a utilização do salário mínimo como indexador ou base de cálculo para fins de fixação de adicional de insalubridade, não parece ter havido qualquer contrariedade à Súmula Vinculante n. 4 do Supremo Tribunal. 5. Pelo exposto, sem prejuízo de reapreciação da matéria no julgamento do mérito, indefiro a medida liminar pleiteada. (...) 21/10/2008, Ministra Carmem Lúcia - Relatora.

Portanto, vê-se que a Súmula Vinculante n.º 04 não alterou o entendimento de que, até que sobrevenha lei ou norma contratual em sentido contrário, o adicional de insalubridade segue apoiado no salário mínimo.

Ainda convém destacar que o TST cancelou a Súmula 17 ao reescrever a Súmula 228, tudo através da Resolução 148/08. Interessante observar, quanto à Súmula 17/TST, que ela editada em 21/08/69 (RA 28/69), cancelada (em 1994, RA 29/94), restaurada em 2003 (RA 121/03) e novamente cancelada em 2008 (RA 148/08), quando o TST reformulou a súmula 228 (que, por sua vez, se encontra agora suspensa em face da Reclamação 6266 no STF).


SOLUÇÃO LEGISLATIVA.

A Associação Nacional dos Magistrados Trabalhistas - ANAMATRA, diante do constatado vazio legislativo, apresentou ao Ministério do Trabalho os estudos para a propositura de uma medida provisória, para fixação em definitivo da base de cálculo do adicional de insalubridade.

Paralelamente, o Senador Paulo Paim já apresentava ao Senado Federal o PLS 294/2008, propondo, sobre o tema, as seguintes modificações:

a) ampliação dos percentuais de 10, 20 e 40 % para 20, 30 e 50 % (conforme os graus mínimo, médio e máximo), para o custeio do adicional de insalubridade;

b) a adoção do salário base contratado como referência para a incidência do adicional de insalubridade.

O Projeto-de-lei encontra-se na Comissão de Assuntos Sociais do Senado, desde 27/08/2008, tendo sido designado relatora a senadora Rosalba Ciarlini, do DEM-RN.


MAIS DO MESMO:

Quem quiser mais referências sobre o assunto, indicamos:

1) artigo publicado na Revista Evocati n.º 33, de setembro/2008 (também disponível na Revista Trabalhista Direito e Processo, nº 26, da LTr -setembro/2008, na seção EM DEBATE), do autor deste post;
2) os posts publicados neste blog nos dias 30/04 (noticiando a edição da SV 04), 24/05 (disponibilizando os links para assistir a sessão plenária de julgamento do RE 565714), 12/07 (publicação, pelo TST, de vídeo para explicar a nova redação da súmula 228) e de 15/07 (noticiando a suspensão da Súmula 228 do TST por decisão do STF);
3) as notícias dos dias 02/09/2008 (entrega do projeto de Medida Provisória ao Ministro do Trabalho), 16/10 (encontro de representantes da Anamatra com o Senador Paulo Paim) e 12/11 (destacando o pronunciamento em plenário do Senador Paulo Paim);
4) para acompanhar a tramitação do PLS 294/2008, clique aqui.

(Postado por Kleber Waki).

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